5º Domingo depois da Páscoa - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 22/5/2022

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COMENTÁRIO BÍBLICO 
5º Domingo depois da Páscoa – Ano C
22mai2022

Atos 15,1-2.22-29; Salmo 67; Apocalipse 21,10-11.22-27

S. João 14,23-29
23Jesus explicou-lhe: «Quem me tem amor vive segundo aquilo que eu digo e o meu Pai também o há-de amar e iremos ambos viver nele. 24Quem não me tem amor não guarda as minhas palavras. E a palavra que eu vos digo não é doutrina minha, mas do Pai, que me enviou.
25Digo estas coisas enquanto estou ainda no meio de vós. 26Mas o Defensor, o Espírito Santo que o Pai vos irá enviar em meu nome, há-de ensinar-vos tudo e fará com que recordem tudo o que eu vos ensinei.
27A paz vos deixo, a minha paz vos dou. Mas não a dou como a dá o mundo. Não se preocupem nem tenham medo. 28Ouviram aquilo que eu disse: Deixo-vos, mas volto outra vez para junto de vós. Se me amassem alegrar-se-iam com a minha ida para o Pai, porque o Pai é mais do que eu. 29Disse-vos tudo isto agora, antes que as coisas aconteçam, para que quando acontecerem acreditem em mim.

1. Como gostamos de ouvir de alguém que se despede de nós: “Fica bem! Fica com Deus!”. É uma expressão de amor / amizade, um voto para que tudo nos corra bem e, por isso, tanto nos alegra ouvi-la. Parece uma bênção… dada por quem nos quer bem. O próprio Senhor Jesus referiu aos seus Apóstolos que tanto Ele como o Pai (Deus) o que gostam é de “fazer morada” em cada um de nós. Assim nos anuncia o Evangelho de hoje: «Quem me tem amor vive segundo aquilo que eu digo e o meu Pai também o há-de amar e iremos ambos viver nele.» Mas, atenção, há aqui uma precedência de passos que não podemos descurar: em primeiro lugar, amar a Jesus implica viver segundo as Suas palavras, o que, por sua vez, permite usufruir do amor de Deus e, assim, a tê-lO a “morar”, a “ficar” connosco.
No nosso viver cada vez mais esquematizado e materializado vamos perdendo o sentido profundo das palavras e derrapando para uma ligeireza do olhar que nos materializa também. Vamos perdendo conteúdo e sentido das coisas e de nós próprios, ficando leves como folha de árvore amarelecida que cai ao mais pequeno aceno de vento. Desligando-se aos poucos da seiva da mãe árvore vai-se fragilizando a ponto de já não poder com esse aceno, porventura de amizade ou de amor, que o vento lhe traz e cai para morrer. Naquela folha já não vive senão o amarelo da cor que chamará a atenção de algum inseto ou pequeno pássaro para dela se alimentar ou usar para fazer seu ninho.
Quando Deus vive em nós é como uma seiva que fortalece o nosso estar. Não O vemos mas sentimo-lO no mais recôndito do nosso ser porque somos amados por Ele. Porém, temos de estar conscientes de que só nos é possível ter uma relação com Deus se vivermos segundo o que Jesus diz. Isto é, todo esse plano de relação com a divindade, no sentido cristão, significa antes de tudo seguir Jesus e aceitar e cumprir as Suas palavras. Podemos ser muito devotos(as), ir à Igreja todos os domingos, assistir a todas as celebrações, praticar todas os rituais religiosos – o que é importante –, mas, o que realmente possibilita a “morada” de Deus em nós é a vontade, o esforço, de seguir Jesus na nossa vida cumprindo as Suas palavras. Porque só em Jesus conhecemos a Deus, pois, tudo em Si, vida, costumes, atos e palavras nos falam de Deus e dão-nos a conhecer o Deus verdadeiro. Jesus é a revelação de Deus. Quer dizer, a “bênção” de quem nos quer bem – “fica com Deus!” – traz-nos o desafio de viver e pensar na peugada de Jesus, o revelador de Deus.    

2. Na verdade, o Evangelho de hoje diz-nos com clareza que o centro da vida cristã é o amor expresso na escuta da Palavra de Jesus e na sua fiel observância através de uma vida animada pelo Espírito Santo. Simples de dizer e, ao mesmo tempo, tão difícil de realizar. Simples, quando a vida me corre a contento, quando amo quem me quer bem, aquele(a) que conheço, de quem gosto, com quem me sintonizo espontaneamente. Mas, tão difícil, quando Jesus me apela a que ame o(a) outro(a), “sem mais”. É, isso mesmo, amar quem me odeia, quem fala mal de mim, quem me despreza, me maltrata ou me fez mal. Ora, se queremos ser coerentes com a nossa opção cristã não podemos deixar esta questão de fora. É que, por um lado, temos a palavra de Jesus “Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos difamam” (S. Lucas 6, 27-28), mas, por outro, vivemos os impulsos da natureza humana que intranquilizam a nossa consciência. Este é também o dilema da santidade, que não pode ser separada da vida de todos os dias, antes, como explica o Papa Francisco, “deve ser procurada e abraçada na existência quotidiana, no pó da estrada, nas aflições da vida concreta e – como dizia Teresa de Ávila às suas irmãs – ‘entre as panelas da cozinha’.” Então, perante tudo isto podemos dizer que o centro da vivência cristã está na Ética, na opção de vida que cada um(a) faz e vive. Ou seja, amar a Deus em Jesus concretiza-se na nossa disponibilidade em amar os outros, não como mera afeição, mas como vontade e atitude que expressem a bondade e a ternura divinas. E tal implica como centro da nossa vida quotidiana a retidão ética, a honradez cívica, a exemplaridade do ser humano na sua inteireza. Para isso bem precisamos do Espírito Santo para que se reavive no nosso coração em cada dia a força do amor de Jesus e a nossa vontade para segui-lO.

3. O Espírito Santo é “sopro”, não se impõe, pressupõe um caminhar juntos, valorizando a diversidade de olhares, carismas e dons. É da Sua responsabilidade abrir caminhos, alargar horizontes, fazer pontes e abater muros, abraçar e acolher. E ensina a partilhar o melhor de cada um para a construção do que é de todos. Atento às nossas fragilidades humanas recorda-nos o que Jesus disse. Então, há na Sua presença uma chamada à escuta, reflexão e ação de nossa parte como membros da comunidade de fé, no compromisso de trabalhar com outros na construção do Reino de Deus. E sempre que isso acontece damo-nos conta da paz de Deus em nós. Não a paz como a dá o mundo”, provinda dos poderes, da guerra e das armas, ou silenciosa na não-vida dos cemitérios. Pelo contrário, uma paz que se ergue em cada dia e que nos agiliza para a esperança que proporcionamos aos outros na nossa preocupação e ação contra com as injustiças, indignidades e malvadezas de que são vítimas. Ao seu lado e com eles, sob a influência do Espírito Santo vive-se o Reino de Deus.

+ Fernando
Bispo Emérito da Igreja Lusitana

 

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