O critério do juízo final não se encontra no culto, mas na vida.
«Aprender (e praticar) o Bem!»

 

«Lavem-se e purifiquem-se! Afastem da minha vista as vossas maldades! Não voltem a fazer o mal! Aprendam a fazer o bem, procurem fazer o que é justo, ajudem os oprimidos, protejam os órfãos e defendam os direitos das viúvas». (Isaías 1, 16-17).

A exortação do profeta Isaías é clara: importa aprender a fazer o bem não voltando a praticar o mal. Para ele o bem pratica-se procurando também o que é justo. O bem não é um conceito teórico abstrato, mas é uma realidade operante que se manifesta na prática daquilo que é bom para os outros. Percebemos esta realidade quando afirmamos que uma determinada pessoa é «uma pessoa boa». O que nos leva a classificar esta pessoa de boa é a sua prática de vida, ou seja, o bem que pratica ou soube praticar. Não deixa de ser muito significativo que as pessoas já falecidas e que guardamos mais na nossa memória afetiva, no nosso coração, são precisamente aquelas que foram boas, aquelas cuja vida foi marcada por boas ações que nos tocaram pelo seu amor e cuidado. Essas boas ações o tempo não as faz esquecer antes as sublima. O bem é, pois, uma bênção intemporal que penetra fundo em que o recebe e em quem o pratica.

Esta realidade está presente nessa imensa multidão de homens e mulheres de boa vontade que dedicam parte do seu tempo e das suas forças à prática do voluntariado. É comum ouvirmos dizer, àqueles que podemos chamar os «santos voluntários do nosso tempo», que é sempre mais aquilo que recebem do que aquilo que são capazes de dar. Bem diz o ditado popular: «é dando que se recebe». A prática do bem desinteressado e que não busca retribuição tem assim um efeito de transformação para melhor. O bem apura aquilo que de bom e de belo existe em cada pessoa, inspirando-a e levando-a também a transformar a realidade à sua volta. O bem, o bom e o belo andam sempre juntos e ajudam a recriar a vida, a natureza e as relações humanas. Deste modo, consciente ou inconscientemente, inserimo-nos também no processo criador de Deus e cada um de acordo com os seus dons é chamado a promover o bem que nas suas diversas formas é capaz de expressar já uma profunda beleza. Tal realização não é apenas um ato de amor, mas também é já em si o sinal e anúncio de uma nova realidade que é o Reino de Deus entre nós. Um ato de amor é sempre um sinal forte e contagiante.

Esta prática concreta do bem, na pessoa do próximo, através de pequenos grandes gestos, atos e compromissos é também o critério do juízo final em Mateus 25: «Tive fome e vocês deram-me de comer, tive sede e deram-me de beber, era um estranho e hospedaram-me, andava nu e deram-me que vestir, estive doente e visitaram-me, estive na cadeia e foram lá ver-me». O critério do juízo final não se encontra, pois, no culto, mas na vida. Na vida e nas suas circunstâncias sofridas, Deus está presente e atuante. Existe, pois, uma liturgia da vida que nos aproxima de Deus na necessidade do nosso próximo. O bem que fazemos e a justiça que praticamos não só nos aproximam do próximo na sua necessidade como nos permitem estar em comunhão com Deus e uns com os outros. Deus é a fonte de todo o bem e de toda a justiça, deste modo fazer o bem e praticar a justiça, é participar da própria natureza de Deus. É «a liturgia após liturgia», a relação do culto com a vida, e da fé com o serviço e a prática do bem e do amor. É viver e testemunhar Deus em cada momento da vida na ação do Espírito Santo. Este é sem dúvida o testemunho mais credível que podemos dar hoje aos nossos contemporâneos na ação do Espírito Santo; a fé ao serviço do bem e o bem enquanto expressão da fé em Deus. E será tanto mais credível quanto o formos capazes de o realizar em conjunto apesar das nossas diferenças confessionais. A unidade no serviço e na prática do bem, aproxima-nos e identifica-nos em Cristo e torna possível a unidade na celebração e no louvor a Deus.

A exortação do profeta Isaías a fazermos o bem e inicialmente referida, parte da constatação da existência do mal e dos seus terríveis efeitos na vida dos órfãos, das viúvas e do estrangeiro, os pequeninos daquele tempo. Isaías diz: «Lavem-se e purifiquem-se! Afastem da minha vista as vossas maldades! Não voltem a fazer o mal». O profeta fala em nome de Deus. A prática do bem não pode pois fazer esquecer a realidade da existência do mal e do seu enorme poder em destruir a própria vida. Aprender a fazer o bem como exorta Isaías requer também a humildade de reconhecer o mal que está em nós e que praticamos e a necessidade do arrependimento e pedido de perdão pelo nosso pecado. Requer a coragem de abrir o nosso coração ao olhar de Deus. Fazer o bem a nós próprios é tão só acolher a graça de Deus para a nossa vida dado que por nós mesmos, não conseguimos vencer a força do pecado em nós. Só em Cristo ressuscitado somos vencedores e verdadeiramente nada nem ninguém nos poderá separar do amor que Deus nos deu a conhecer por nosso Senhor Jesus Cristo (Rm 8,39). Na oração do Pai Nosso, Jesus ensina-nos a orar dizendo «não nos deixes cair em tentação; e livra-nos do mal». Cipriano de Cartago (C.200-258) refere a este propósito: «Quando oramos «não nos deixes cair em tentação; e livra-nos do mal», devemos saber que o Senhor nos está a ensinar a partir de dentro de nós mesmos. Estas palavras confirmam a segurança de que o adversário não pode nada contra nós, porque tudo está sob a vigilância de Deus. Elas põem-nos em contacto com a nossa vulnerabilidade e fraqueza interiores.»

No atual contexto em que vivemos a família humana na sua diversidade de raças, culturas e religiões está confrontada com desafios globais que requerem unidade e a prática comprometida do bem e da justiça por parte dos cristãos e de todos os homens e mulheres de boa vontade. A pandemia global do Covid, as alterações climáticas, a guerra na Ucrânia, com implicações mundiais, o terrorismo religioso e um selvagem sistema capitalista são desafios complexos e interligados. Os gemidos da Criação juntam-se aos gemidos do sofrimento humano criando um vibrante e interpelante clamor. Nenhuma Igreja por si é capaz de enfrentar estes desafios. A unidade torna-se um imperativo e a Igreja na ação do Espírito Santo requer-se mais profética e atuante. Damos graças pelo muito que neste sentido já se está a realizar e de que este encontro é um bom exemplo. Caminhemos juntos no fazer o bem e praticar a Justiça. Amem.

+ Jorge Pina Cabral,
Apresentação no XIII Encontro de Cristãos em Sintra a 28 janeiro 2023

 

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