Festa de Todos os Santos 2024
«Caminhar à luz da Esperança e Santidade que proveem de Jesus Cristo»
«Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo». Ámen.
Prezado clero, prezados irmãos e irmãs em Cristo, saúdo-vos com a expressão Paulina própria para o contexto desta Festa de Todos os Santos: «aos santos e irmãos fiéis em Cristo, graça e paz da parte de Deus nosso Pai e da do Senhor Jesus Cristo». Ámen.
Ao celebrarmos hoje a «Festa de Todos os Santos» neste 1 de novembro do ano de 2024, relembramos que o caminhar sinodal da Igreja Lusitana se desenrola sob o tema pastoral «Chamados à Esperança e Santidade em Cristo». Neste ano tão celebrativo para a Igreja, com a realização já do 100.º Sínodo Diocesano e a visita do Sr. Arcebispo de Cantuária, a Igreja que somos caminha à luz da Esperança e da Santidade que proveem da pessoa de Jesus Cristo. Somos por natureza filial, por constituição espiritual, por ADN batismal configurados a Cristo e povo chamado a viver em Esperança e Santidade e saber partilhá-las também enquanto dom com aqueles e aquelas com quem convivemos diariamente.
Biblicamente temo-nos sustentado na primeira Carta de Pedro, uma carta dirigida aos cristãos que viviam em diáspora, dispersos e em pequenos grupos num contexto por vezes de perseguição religiosa e cultural e podemos afirmar muito semelhante ao contexto do cristianismo em diversas partes do mundo e também aqui na Europa. No passado sábado e no Fórum Ecuménico Jovem, tive (talvez a oportunidade única) de ouvir o testemunho do Arcebispo Católico do Iraque Bashar Warda, que, em visita ao nosso país tem falado da missão de uma Igreja também ela minoritária e sofrida, num contexto muçulmano. Referiu que num Estado Muçulmano como o do Iraque os cristãos podem celebrar o culto, mas não podem desenvolver qualquer atividade de evangelização fora da Igreja. É-se cristão então por tradição familiar dado que a conversão de um muçulmano ao cristianismo é social e religiosamente condenável. Muitas vezes os cristãos são alvo de violência e de perseguição. São descriminados no acesso aos empregos no Estado e a única área aonde lhes são entregues serviços e responsabilidades é na área financeira, dado que pela sua ética de vida, são mais confiáveis que os restantes concidadãos. Impressionou-me o seu discurso sereno, realista e sábio de profundo sentir bíblico e evangélico. Não foi só o discurso que me tocou, mas também a sua personalidade, a sua postura afável e calma, o seu sorriso simpático, a sua disponibilidade para todos e a sua atitude positiva. Nunca nos esqueçamos queridos irmãos e irmãs, que na nossa relação com os outros, a empatia advém não tanto daquilo que dizemos, antes daquilo que o nosso corpo, o nosso ser, o nosso sorriso, a expressão do olhar e a disponibilidade pessoal são capazes de transmitir mesmo e apesar de conjunturas adversas. A nossa pessoa, o nosso ser, o nosso corpo, expressa verdadeiramente a nossa santidade interior e fá-lo não através do discurso racional, mas da transmissão aos outros do que habita o nosso coração.
O Arcebispo Bashar afirmou que num contexto tão adverso como o do Iraque, o testemunho da fé é inspirado pela exortação feita por Cristo aos seus discípulos e a nós hoje conforme o Evangelho proclamado de «sermos sal do mundo e luz do mundo». Falou então de um «testemunho silencioso» que eles praticam diariamente e que converte pelo seu exemplo de santidade diária capaz de transmitir esperança a muitos que estão abatidos. O que os outros veem em nós (ou por vezes não veem) é a porta aberta ou fechada para o transmitir da fé em Cristo. Referiu o exemplo de vida dos primeiros cristãos que levava os seus vizinhos a afirmarem em jeito de aprovação: «vejam como eles se amam».
Continuando o seu testemunho, referiu que, após a destruição causada pelos terroristas e extremistas do Daesh no Iraque, as Igrejas começaram a partir de 2019, a desenvolver um programa de reconstrução que começou por providenciar primeiro casas, depois escolas e só depois edifícios para as Igrejas. Fizeram-no para todos independentemente da sua fé e religião. É, pois, através da prática da ajuda, do amor concreto que os cristãos testemunham Cristo. Afirmou o Sr. Arcebispo, que uma pessoa é santa, a Igreja é santa e que uma comunidade é santa porque Cristo está no seu meio. A lição que nos vem da Igreja perseguida não é tanto a de estarmos perante pessoas excecionais ou diferentes de nós, mas antes, de homens e mulheres, crianças e idosos que na sua necessidade, são capazes de apurar e de discernir o essencial para a sua vida e se abrem a Cristo e se deixam por Ele ser moldadas. O Arcebispo Bashar referiu que: “A nossa missão como Igreja no Iraque é também manter a cristandade, porque, historicamente, nós somos os povos daquela terra. O cristianismo está lá há 2000 anos, é também a nossa missão manter a voz de Cristo, alto, claro, pacífico, gentil, verdadeiro, no Iraque”. Afirmou ainda que às sextas feiras (dia de descanso num país muçulmano) as Igrejas se empenham fortemente na catequese e formação cristã das crianças, jovens e adultos. É esta formação que apura a identidade da fé em Jesus Cristo e que é transmitida de geração em geração desde os tempos do apóstolo Tomé que no primeiro século e com a sua pregação e exemplo de vida ali fez chegar a fé cristã. A santidade que hoje celebramos exprime-se também através desta resiliência secular em contexto adverso, que se firma nas palavras de S. Paulo quando refere que os cristãos «sentem alegria no sofrimento, porque o sofrimento produz a paciência; a paciência provoca a firmeza nas dificuldades, e a firmeza produz a esperança». (Romanos 5, 3-4).
Percebemos aqui o sentido da expressão usada por Pedro na sua carta aos cristãos chamando-os de «pedras vivas» consagradas a Deus, «pedras» sustentadas e alicerçadas na pedra fundamental que é Jesus Cristo, a pedra preciosa que Deus predestinou e que sustenta pedras vivas que a graça divina trabalha diariamente. A capacidade de transmitir Esperança (hoje tão necessária) advém do exemplo de vida que as «pedras vivas» que somos nós aqui reunidos, são chamadas a transmitir aos outros, falando e praticando a unidade e a reconciliação quando alguns insistem na divisão e na exclusão através de um discurso de ódio e racista infelizmente hoje na boca de alguns políticos da nossa praça. Todos percebemos que vivemos um tempo muito particular da nossa comum história coletiva. Somos uma mesma família humana, habitando uma mesma casa comum frágil e muito delicada que nos é confiada por Deus. Mais do que nunca, o mundo de Deus, necessita da Igreja de Deus e dos cristãos. Rowan Williams anterior Arcebispo de Cantuária afirmou e bem: «Ser-se santo é estar absolutamente envolvido, e não estar absolutamente separado» (fim de citação). Tenho para mim que a melhor forma de construir a esperança em nós e nos outros, e de sermos capazes de «Esperançar», ou seja, colocar a Esperança em ação, passa por este envolvimento que requer o conhecimento (por vezes doloroso) da realidade que nos envolve e das verdadeiras causas de tantos conflitos hoje existentes. Este conhecimento requer depois o envolvimento concreto em atividades, projetos e causas que embora não transformem o mundo no seu todo, são capazes de transformar um pouco e para melhor a realidade em que estamos envolvidos, porque verdadeiramente, «a capacidade de transmitir Esperança advém do exemplo de vida».
A todos se nos oferecem imensas e belas oportunidades de ajudar o próximo e de cuidarmos da Criação. Seja no cuidado aos idosos, na visitação aos enfermos, no dar do nosso tempo aos outros e em particular aos que estão mais sós e vulneráveis, no reatar de relações quebradas e que ofendem a Deus, no cuidar da Criação e em particular das florestas ardidas, no exercer do voluntariado em organizações da sociedade civil e também e porque não, no envolvimento na política partidária que estrutura a nossa democracia. Se assim fizermos percebemos o sentido da afirmação de que «um santo é um pecador que não cessa de esforçar-se». O testemunho de um santo, na realização da nossa vocação batismal é sempre fruto da ação do Espírito Santo em nós.
Celebrar hoje a Festa de Todos os Santos significa também «saber fazer memória» daqueles e daquelas que permanecem no nosso coração e afeto, apesar de já não estarem fisicamente entre nós. E são tantos e tantas que hoje recordamos com carinho e afeto! A sua permanência, se quisermos o seu estar em nós, este estar espiritual e amoroso que verdadeiramente sentimos na nossa vida, deriva dos seus muitos actos de santidade, tidos para connosco e para com os outros. É a santidade que cria laços que unem a terra ao céu, o finito à eternidade, o imanente ao transcendente e os que estão ausentes aos que estão presentes. A santidade não se esquece e perdura sempre na história do Tempo. E é daqui que advém o sentido de esperança que diariamente em nós se renova.
O exemplo do testemunho dos que já partiram foi capaz de nos estimular a ir em frente e construiu coisas novas. Por isso hoje estamos aqui não só para testemunhar o passado, mas principalmente o futuro, que desejamos todos, seja vivido em amor, santidade e esperança dado que é isso que Jesus – o Santo de Deus - nos propõe com Ele e para Ele.
Termino como comecei, ou seja, citando S. Paulo, que na sua carta aos Coríntios diz : «Termino, irmãos, com um pedido: sejam alegres, procurem ser perfeitos, e animem-se uns aos outros. Vivam unidos e em boa harmonia, e o Deus de amor e de paz, estará convosco»
Assim seja. Ámen
+ Jorge