Bispo Dirk Jan Schoon, de Haarlem (Holanda)

Homilia proferida pelo Bispo Dirk Jan Schoon, de Haarlem (Holanda)

 por ocasião da Sagração Episcopal de Frank Bangerter

 

14 de setembro de 2024, Igreja de S. Pedro e S. Paulo em Berna.

Leituras: Jeremias 1:4-9 -  Filipenses 2:1-5 -  Mateus 4:18-23

 

Divisa escolhida pelo novo Bispo:

“Com o meu Deus, eu salto as muralhas” (Salmo 18,30 / 2 Samuel 22,30)

 

Irmãs e irmãos em Cristo, caros confrades e conselheiros no Episcopado, caro irmão consagrando Frank:

A ordenação episcopal é um momento importante na vida de toda a Igreja Católica. É o ponto culminante da nossa estrutura eclesial sinodal-episcopal, na qual a Igreja escolhe alguém do seu meio e lhe confere, através da imposição das mãos e da oração, o poder de realizar a sua vocação e a sua mensagem. O Senhor Deus chama homens e mulheres, como acabámos de ouvir nas três leituras da Sagrada Escritura. YHWH Deus chama profetas como Jeremias, Jesus chama irmãos para se tornarem apóstolos, e S. Paulo chama toda a Igreja de Filipos a seguir Jesus. Compreendendo desta forma a vocação de cada cristão e a do Bispo em particular nestas três leituras, compreendemos também a seriedade de um acto como a Sagração. O que é que devemos fazer deste homem ou desta mulher? Quem pode apoiar esta vocação? É isto que quero refletir convosco, primeiro com a ajuda de São Paulo e de São Mateus, e depois, recorrerei a Jeremias e ao nosso irmão, Frank, Bispo Consagrando.

Comecemos, então, por falar de Paulo e de Mateus. Se respondermos ao apelo de Paulo para seguirmos Jesus como cristãos batizados, estaremos realmente dispostos a dar a nossa vida como ele fez na cruz? Sim, na Igreja primitiva, o martírio era muito apreciado, mais do que o ministério ordenado. E porquê? Porque era um testemunho vivo da fé numa vida em Deus que era maior e mais rica do que tudo o que a nossa vida terrena pode oferecer. Era revolucionário, porque esta fé generalizada minava a ordem estabelecida. Que chefe de família ou matrona romana se sentaria para comer uma refeição com os seus escravos? A questão é sabermos até onde estamos dispostos a ir como cristãos batizados. As nossas Igrejas-velho católicas libertaram-se, no século XIX, do clericalismo e do papado, mas adaptaram-se e até se integraram na sociedade burguesa. Temos de nos interrogar sobre a forma como testemunhamos hoje como sucessores do Messias Jesus, dessa fé que ultrapassa as fronteiras. Onde está o nosso testemunho, mais do que numa liturgia rica ao domingo de manhã - por muito importante que ela seja - ou em rituais que satisfazem as nossas necessidades religiosas, mas que, de resto, são totalmente desprovidos de riscos?

Mateus conta-nos que Jesus percorre a Terra Santa fazendo três coisas: primeiro, ensina, ou seja, explica a Torá de forma a fazer destes textos antigos, com as suas proibições e prescrições, um guia vivo para a sociedade humana. Depois, prega e apela à conversão, porque o reino dos céus está próximo e Ele não se contenta com o que existe; “desobediência civil”, diríamos hoje; e em terceiro lugar, cura todas as doenças e todas as enfermidades. Se, como Simão e André, Tiago e João, somos chamados a seguir Jesus, a questão é simples: até onde vamos? Como é que vivemos o ensinamento da Torah, que atingiu a sua plenitude no Evangelho de Jesus? Como é que rezamos, como pedimos, para sair da nossa estreiteza burguesa e mostrarmos que estamos realmente à espera do Reino de Deus, desse mundo de justiça e de paz do qual parecemos tão afastados, apesar de toda a nossa prosperidade e luxo? E como é que podemos curar, como Jesus, não esta ou aquela doença pessoal, mas todas as doenças e sofrimentos da humanidade, quer dizer não apenas lutar contra os sintomas da injustiça e do sofrimento no mundo, mas denunciar e erradicar as suas causas.

Caro Frank, tornaste a minha tarefa, um pouco difícil ao escolheres tanto a tua Divisa, como o apelo de Jeremias. Pois, ai daquele que é chamado a ser profeta! Jeremias continua a tentar fugir à sua vocação, dizendo que é demasiado jovem - sim, todos temos as nossas desculpas para ficar na cama ao domingo ou para não cumprir as nossas obrigações. Mas, nesse caso, ainda não conheceis JHWH Deus, porque ele completa o que a sua mão começa. Mesmo antes de ser concebido no ventre de sua mãe, Jeremias estava destinado a tornar-se profeta. E é à sua juventude que o Senhor responde com a sua força: “Eu sustentar-te-ei e salvar-te-ei”.

Até aqui, podemos ouvir a história com um sorriso, sim, o bom Deus vem em nosso socorro quando precisamos dele. Mas será este apaziguamento a nossa fé? Será que Jeremias tem de ser chamado a fazer isto? Será que Jesus teve que fazer o seu difícil caminho até à cruz para isto? Se quisermos fazer justiça a Jeremias - e, penso eu, fazer justiça ao que acabo de dizer sobre a seriedade da vocação que recebemos pelo nosso batismo e, portanto, também sobre a seriedade do ministério episcopal- temos de ler mais um versículo. Aí, Jeremias recebe a ordem de atuar contra reinos e nações, contra a ordem estabelecida, sim, há seis verbos que são como uma linha vermelha ao longo de todo o livro de Jeremias - 52 capítulos. São os quatro verbos negativos: rasgar, destruir, cercar e demolir, e depois dois verbos positivos: construir e plantar. O drama do profeta é que tem de anunciar a destruição para que esta não aconteça porque o povo se arrepende, pratica a justiça e a retidão segundo a Torá e pregar o arrependimento e trazer a cura, cuidando dos pobres, das viúvas e dos órfãos. Quem ousa abordar a sua vocação de cristão e a sua missão Episcopal de forma tão crítica, perante este insuportável fardo humano da profecia?

Por fim de contas, caro Frank, há a Divisa que escolheste para ti: “Com o meu Deus, salto um muro”. São palavras do Salmo 18, que também se encontram literalmente na história do grande rei David. Neste cântico, David recorda, olhando para trás, o tempo da sua realeza, para todos os momentos altos, mas sobretudo os mais baixos, e louva YHWH Deus que o libertou das mãos de todos os seus inimigos. Em hebraico, a palavra “muro” pode também ser entendida como “inimigo”; com este Deus, o Eterno, salta-se por cima de toda a hostilidade. E isso não significa apenas que ultrapassas as tuas dificuldades - e acredita, Frank, vais encontrá-las cedo e em abundância no teu caminho de Bispo - mas que também saltas o muro da hostilidade para descobrires o que está do outro lado. O que há do outro lado e que ainda não conheces. Porque este é o segredo da instrução bíblica por excelência: só nos tornamos humanos no encontro com o outro, que nos afirma, nos completa e nos corrige. Como Bispo, és chamado a lançar pontes de uma paróquia a outra - e na Suíça, eu diria: de um cantão a outro - de uma Igreja para outra, e mesmo do mundo de hoje para o mundo de amanhã. Num mundo onde um muro ainda não foi derrubado e outro já está a ser construído, onde a Terra Santa é um campo de batalha de assassínios, onde as ameaças militares se multiplicam e onde os nossos jovens estão deprimidos por causa dos problemas que lhes causamos pelo nosso modo de vida, é por isto mesmo mais necessário do que nunca o testemunho da Igreja. Deus necessita de homens, Deus chama homens e mulheres que ousam ser profetas, apóstolos e evangelistas, que saltam o muro da hostilidade com a ajuda do Senhor Deus.

Então, queridos irmãos e irmãs, o que é que nos impede de pedir para o nosso irmão Frank a graça do Espírito Santo de Deus para que ele possa saltar estes muros? Ele precede-nos, sigamo-lo e cumpramos juntos a nossa vocação, para glória de YHWH Deus, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Amen.

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