Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen
Mensagem de abril
Celebrar a liberdade e assumir o porvir
No cinquentenário da revolução do 25 de abril fazemos memória de todos aqueles, homens e mulheres, que em circunstâncias difíceis e de opressão, assumiram, com risco da sua própria vida, a luta pela liberdade e o fim do regime totalitário que oprimia o povo português. A sua luta foi generosa e sacrificial em prol de um destino coletivo mais feliz e livre. Aquilo que cada um(a) foi capaz de assumir e de realizar ao serviço dos demais, contribuiu fortemente para uma mudança que a todos beneficiou. Naquela manhã de um abril primaveril abriram-se caminhos e veredas que juntaram e irmanaram um povo que alegremente celebrou e cantou a liberdade há tanto tempo desejada no coração e sempre reprimida.
Num contexto internacional de crescentes regimes totalitários, Portugal é hoje um pais livre e capaz de assumir o seu próprio destino. A preciosa herança que nos foi confiada e que celebramos nesta data festiva, exige a consciência, de que a democracia é por natureza um processo sempre inacabado, que demanda o empenhamento individual e coletivo na busca das melhores soluções, para as exigências e desafios que em cada tempo e em cada lugar sempre se nos colocam. E para que tal aconteça todos, sem exceção, somos necessários. Celebrar o passado é, pois, reafirmar hoje, o compromisso e o dever de promover os direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa. Direitos que nos assistem e também àqueles que em busca de uma vida livre e digna, emigraram para o nosso pais e fazem hoje parte do nosso corpo social. Saber lidar com a diferença seja ela de natureza social, religiosa e étnica é prova de uma sociedade democraticamente madura e aberta à globalização do presente.
Enquanto cristãos e Igrejas, usufruímos hoje, da liberdade religiosa que não existia no passado e que é um direito fundamental em democracia. A liberdade da prática do culto e da expressão da crença religiosa, como que nos implica também enquanto crentes, na afirmação e contributo na construção de uma sociedade mais justa e fraterna. Na vivência do tempo Pascal, marcado pela ressurreição de Jesus Cristo, somos agora chamados por Ele, a saber ousar novos caminhos de vida e novas formas de relação e cooperação fraterna. A nossa jovem democracia, necessita do sentido de esperança e de paz que a fé cristã é capaz de outorgar. Num tempo marcado pela incerteza, pela guerra e a violência, pelo acentuar da desunião, Cristo ressuscitado, chama-nos a seguir o caminho da reconciliação, que é capaz de promover o encontro, o diálogo e o saber discordar respeitosamente. Somos, pois, chamados a estabelecer pontes de contacto e fóruns de diálogo entre todos os homens e mulheres de boa vontade.
A fé cristã, que alegremente celebramos neste Tempo Pascal e que numa coincidência feliz comporta o aniversário do 25 de abril, é uma história de liberdade coletiva e individual, que promove a verdade que se sobrepõe sempre à mentira e ao pecado e nos faz ser irmãos e irmãs. Celebrar abril à luz da fé é assumir a verdade que liberta e que promove a humanização de todos. Cabe-nos, pois, celebrar a liberdade e assumir o porvir enquanto tempo possível de novos horizontes e possibilidade para todos.
Saúdo, assim, as autoridades constituídas e democraticamente eleitas, os agentes sociais, políticos e religiosos e o povo português, na consciência plena de que somos chamados a assumir abril e a construir um futuro feliz e de inclusão para todos.
Vila Nova de Gaia, 23 de abril de 2024
Jorge Pina Cabral
Bispo da Igreja Lusitana da Comunhão Anglicana