Homilia Festa de S. Tomé no 78.º aniversário da paróquia S. Tomé
Domingo 30 junho 2024, Castanheira do Ribatejo
«Que as palavras da minha boca e a meditação dos nossos corações sejam agradáveis perante Ti Senhor, nossa rocha e nosso libertador». Amén.
É muito feliz podermos celebrar o aniversário desta paróquia à luz da festa litúrgica de S. Tomé (3 de julho), apóstolo que lhe dá o nome. As Igrejas da Igreja Lusitana seguindo uma tradição antiga são dedicadas a uma ou mais pessoas. Podem ser dedicadas a um dos apóstolos (S. Tomé, S.Pedro, ..), podem ser dedicadas aos Evangelistas (paróquia de S. João Evangelista, paróquia de S. Mateus, paróquia de S. Marcos), podem ser dedicadas a uma das pessoas da Santíssima Trindade (paróquia de Cristo, paróquia do Bom Pastor, paróquia do Salvador do Mundo, paróquia do Redentor, missão do Espirito Santo em Setúbal, missão de Cristo Remidor,..), à própria família de Jesus (paróquia da Sagrada Família). Outras podem ser dedicadas a figuras bíblicas de relevo (Paróquia de S. Paulo, Missão de Maria de Magdala …). Ao dar-se um destes nomes a uma Igreja honra-se em primeiro lugar a memória daquele ou daquela que pelos seus atos e vida faz parte da história da salvação e serve para nós de modelo de inspiração para a nossa fé. Por outro lado, o lugar e a comunidade, que recebe o nome, interliga-se a uma vivência que o precede e à qual chamamos a história da Igreja ou a tradição da Igreja. Esse local, esse templo, essa comunidade, percebe-se assim em comunhão com uma realidade maior da qual faz parte e que é a Igreja de Cristo.
O primeiro templo desta comunidade foi inaugurado em 20 de junho de 1946 (há 78 anos) e o atual templo foi dedicado a Deus em 12 de abril de 1987 (há já 37 anos). Todas as Igrejas são dedicadas a Deus numa cerimónia chamada de consagração da Igreja no decorrer da qual há uma declaração solene feita pelo Bispo, da vontade comunitária de dedicar a nova igreja a Deus e ora-se para que Deus esteja presente com a sua graça e torne eficaz com o seu Espírito as ações cultuais que a comunidade cristã realizará. Segue-se o princípio «tudo para Deus e tudo nas mãos de Deus».
Pergunto-me (e não sei se alguém aqui presente saberá) qual a razão e o motivo que levou os pais desta comunidade a darem-lhe o nome de S. Tomé? Poderemos talvez crer que a figura bíblica de S. Tomé e tudo o que a ele está associado tenha servido de fonte inspiradora para aqueles que nos precederam. Mas o curioso neste caso é que S. Tomé, apóstolo, é tido como um descrente, alguém que duvidou da presença de Cristo ressuscitado e a quem nós associamos uma conhecida expressão popular que apela mais ao racional e aos sentidos do que propriamente à fé e que se traduz na expressão: «ver para crer». S. Tomé com efeito, reagindo à proclamação dos discípulos que lhe disseram: «Vimos o Senhor», Tomé respondeu-lhes dizendo: «Se eu não vir a ferida dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo no lugar dos pregos e a minha mão na ferida do peito, não acredito». Então podemo-nos perguntar qual foi verdadeiramente a razão que levou os pais desta comunidade a acreditarem no testemunho de Tomé apostólo ? Penso que uma das razões terá sido o facto de Tomé ser de certa forma uma expressão daquilo que é a nossa própria fé, feita de altos e baixos, avanços e recuos. Se é certo que Tomé duvidou também é certo que ele acreditou na presença viva e real de Cristo ressuscitado na sua vida, quando perante Jesus e no seio dos discípulos reunidos afirmou : «Meu Senhor e meu Deus». Esta afirmação de Tomé é talvez uma das mais belas afirmações de fé e uma das mais profundas orações que podem ser feitas e que não exigem muitas palavras e dizeres, mas tão só o assumir da profundidade deste reconhecimento que proveio do coração: «meu Senhor e meu Deus». Esta expressão de fé e oração é a mesma que na tradição da Igreja e após o fim da oração eucarística da consagração dos elementos do pão e do vinho, leva os ministros a ajoelharam-se perante o pão e os vinhos já consagrados na ação do Espírito Santo, reconhecendo nesses elementos, a presença viva e real da pessoa de Jesus Cristo entre nós: «Meu Senhor e meu Deus». A afirmação de fé por parte de Tomé leva Jesus a formular para os cristãos de todos os tempos uma expressão de bênção que se traduz no dito : « Felizes os que acreditarem sem terem visto» (João 20,29).
Este caminhar de fé de Tomé, da dúvida ao reconhecimento, da incredulidade á aceitação, é sem dúvida e também o nosso próprio caminhar. O nosso maior testemunho não é tanto o que dizemos sobre Jesus aos outros, mas antes o que dizemos que Jesus tem feito na minha vida. E tal só pode ser expresso vindo do coração, vindo do interior e que se traduz em poucas, mas sinceras e verdadeiras palavras. «Acreditar sem ver» é acima de tudo reconhecer o muito que Deus tem feito na nossa vida. Não se trata de buscar provas empíricas da existência de Deus antes acolher e partilhar com os outros tudo aquilo que Deus no Seu amor tem feito na minha/nossa vida. Na oração própria desta festa litúrgica e que hoje já elevamos a Deus foi dito: «Deus eterno, o teu apóstolo Tomé duvidou da ressurreição do teu Filho até que a palavra e a vista o convenceram; concede-nos a nós que não vimos, a graça de não sermos infiéis, mas crentes».
Ser crente é acima de tudo confiar muitas vezes até contra todas as evidências. Ser crente é colocar nas mãos de Deus toda e qualquer circunstância da vida pela qual estamos a passar; pode ser uma doença, um tempo de abatimento e de dúvida, uma circunstância de pecado, um sofrimento ou uma perseguição. Mas ser crente é também colocar e agradecer a Deus as muitas bênçãos que d’Ele recebemos como por exemplo a pertença a uma comunidade, a uma família de fé como esta que hoje celebra o seu aniversário. É esta maturidade interior e espiritual que percebemos também na bela e profunda definição que hoje lemos na carta aos Hebreus : «a fé é a certeza de já se possuírem as coisas que se esperam e a garantia das coisas que se não vêem».
Mas estou certo também que os pais desta comunidade ao atribuírem o nome de S. Tomé à Igreja tiveram em conta e como exemplo a sua coragem que percebemos em João 11, 16 e quando após o conhecimento da noticia da morte de Lazáro, Tomé diz aos outros discípulos: «Vamos nós também para morrer com o Mestre». No caminhar de Tomé percebemos como Deus transforma a fraqueza humana em confiança, amor e coragem. Estou certo que era muita a fragilidade dos poucos que deram início a esta comunidade e principalmente no contexto de descriminação dos protestantes que então aqui certamente se vivia no ano de 1944. As dúvidas e os receios de então, foram colocados perante o Senhor e tornaram-se bênção para muitos e muitas. Tal como Tomé, eles e elas souberam seguir o Mestre com determinação querendo partilhar o seu destino com Jesus, ou seja, caminhando com Jesus.
Celebrar hoje o 78.º aniversário desta comunidade é reafirmar o sentido de missão e de serviço que nos foi legado. Tal como no início desta Igreja importa saber «ler os sinais dos tempos» e perceber, primeiro que a história não se repete, mas faz-se caminhando. E em segundo lugar que tal como outrora é nas dificuldades, dúvidas e fraquezas humanas que a graça de Deus se torna presente e operante. Não devemos ter receio de em oração assumir perante Deus as nossas fragilidades, dúvidas e incompreensões. Quando o fazemos em verdade, Deus responde-nos com a Sua graça e a sua verdade. E aquilo que era fraqueza torna-se bênção.
Tomé é alguém que não se contenta e procura. Questiona e está disponível para acolher a «resposta de Deus». Se Tomé soube responder a Jesus após ver as suas chagas e feridas no corpo, também desejo que esta comunidade, saiba como Tomé, ver e reconhecer as chagas e feridas de Jesus no nosso tempo e na pessoa dos sofridos.
Assim Deus vos ajude. Amén.
+ Jorge