Homilia II Domingo da Quaresma
25 fevereiro 2024
«Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.» Amén
Escutar Jesus na quaresma
O clímax da narrativa da Transfiguração que acabámos de escutar no Evangelho, acontece com a introdução de dois elementos divinos: a nuvem e a voz, símbolos da presença de Deus e da sua transcendência. Da nuvem uma voz, a voz de Deus, o único que sabe dizer bem o que se passa: « Este é o meu Filho querido. Oiçam o que ele diz!». Notam-se duas diferenças em relação ao cenário do Batismo de Jesus nas águas do Jordão. Aí, a voz de Deus provem do céu (não da nuvem), e dirige-se a Jesus, na segunda pessoa: «Tu és o meu Filho querido, tenho em ti a maior satisfação». Aqui, na Transfiguração, a voz provem da nuvem, e dirige-se a nós, na terceira pessoa: «Oiçam o que ele diz – ou – Escutem o que ele diz».
Com este dizer Deus Pai – revela Deus Filho e faz dele uma referência para o nosso escutar – «Escutem o que Ele diz». Ao torná-lo como referência para a nossa atenção e escuta, Deus Pai, atesta e confirma, o caminho que Jesus se proponha dai em diante seguir – o caminho até Jerusalém e a sua entrega e paixão na Cruz do Calvário como meio de redenção.
Nesta quaresma e caminhar quaresmal que estamos a fazer em Igreja, somos, pois, chamados a «Escutar Jesus» e seguir o caminhar de vida que Ele nos indica e propõe. É uma escuta coletiva que a todos nos implica. As palavras de Jesus não se dirigem apenas a mim, mas a toda a comunidade. Jesus fala para todos quando estamos todos reunidos na Sua Igreja enquanto assembleia orante que acolhe o seu dizer. Dai a importância de fazermos a quaresma sempre em Igreja, não faltando, mas estando presentes em cada domingo da quaresma. Escutamos, juntos a palavra de Deus que vem a nós. É uma escuta que requer silêncio, atenção, mas fundamentalmente abertura de coração.
O silêncio que fazemos aquando da proclamação da Palavra nas leituras e na homilia não é nem pode ser apenas um silêncio disciplinado e de ordem. É um silêncio que escuta e acolhe este falar de Deus para nós. O silêncio na liturgia é aquela pausa em que deixamos de falar a Deus e Deus passa a falar-nos. E nesse acolhimento está a nossa conversão.
Ao longo de uma celebração com Deus no seio da Igreja reunida, somos chamados a este exercício litúrgico de falar a Deus e de acolher o falar de Deus. Falar e saber escutar. E escutar muitas vezes no silêncio. Um falar coletivo e uma escuta também coletiva. Uma adoração conjunta e um saber fazer silêncio em conjunto. Importa trabalhar esta arte de fazer silêncio litúrgico coletivo. Não como um tempo de embaraço a ser rapidamente ultrapassado como se tratasse de uma coisa estranha, mas antes como um tempo nobre no qual e através do meu silêncio eu também respeito o silêncio dos outros e a sua intimidade com Deus. No silêncio litúrgico coletivo somos todos iguais dado que ninguém se sobrepõe a ninguém. E somos iguais porque mostramos também todos uns aos outros a nossa necessidade de Deus e de O Escutar.
Muitas vezes também na nossa vida individual e enquanto Igreja escutámos Deus, mas por vezes duvidamos daquilo que Deus está a dizer-nos e da sua possível concretização. «Escutar Deus» é abrirmo-nos à sua novidade e inesperado para a nossa vida. Assim aconteceu com Abraão conforme escutámos na primeira leitura. «Deus disse a Abraão: «A tua mulher já não continuará a chamar-se Sarai, mas Sara. Hei-de abençoá-la e farei com que ela tenha um filho teu. Ainda há-de ser mãe de muitos povos e há-de haver reis entre os seus descendentes. Abraão inclinou-se e sorriu, pensando no seu intimo: «Será que Sara vai mesmo ter um filho aos noventa anos?». A promessa que Deus fez a Abraão veio a cumprir-se com o nascimento de Isaac o que levou Sara a afirmar: «Deus guardou para mim um sorriso e todos os que ouvirem esta notícia, hão de sorrir por causa de mim».
«Escutar Jesus» é perceber que Deus nos fala essencialmente através de promessas e não de imposições ou regras. As promessas de Deus apontam sempre para o futuro, para uma vida nova, para uma novidade que irrompe no meio da nossa por vezes descrença e limitação humana. Na promessa de Deus nada há de impossível e os seus sonhos tornam-se realidade na nossa vida.
«Escutar Jesus» hoje é disponibilizarmo-nos para uma relação de vida que requer de cada um de nós e de toda a Igreja um acolhimento, uma resposta e uma opção de vida. S. Paulo hoje na sua carta aos Filipenses exprime bem esta resposta e opção a que somos chamados quando afirma: «Esqueço-me do que ficou para trás e esforço-me por atingir o que está diante de mim. Deste modo caminho em direção à meta para obter o prémio que Deus nos prometeu dar no céu por meio de Cristo Jesus».
Nesta quaresma cada um de nós e todos enquanto Igreja, somos chamados a «Escutar Jesus» e não deixar que o barulho e a gritaria do nosso quotidiano nos desviem daquilo que é verdadeiramente essencial. Haverá muitas vozes e falsos profetas que nos vão tentar, pedindo que os escutemos.
Nesta quaresma «Escutar Jesus» requer tempos de silêncio e de acolhimento da sua palavra. Não nos preocupemos tanto em falar a Deus na oração, mas antes em acolher o seu falar que muitas vezes vem a nós através do silêncio.
Tal como Pedro, Tiago e João, também nós nesta quaresma, somos chamados a subir o monte com Jesus e deixarmo-nos estar aí com o Senhor. Quem sobe o monte larga o acessório e acolhe o essencial para a sua vida.
Nesta quaresma Jesus quer operar em cada um de nós uma transfiguração interior que nos leve depois na Páscoa a perceber a sua presença de Ressuscitado entre nós.
«Este é o meu Filho querido. Oiçam o que ele diz.»
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ámen.
+ Jorge