Homilia Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos 2024
«Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo». Ámen
«E quem é o meu próximo?»
A pergunta colocada pelo doutor da Lei a Jesus é também uma interpelação atual para nós cristãos em Portugal numa sociedade em acelerada mudança com a integração de numerosos migrantes provindos de muitos países, culturas e religiões. «Quem é o meu próximo?»; o ucraniano refugiado da guerra? a família emigrante da India que busca asilo em Portugal ? os milhares de trabalhadores asiáticos que trabalham na nossa agricultura muitas vezes em condições de exploração ?ou a crescente comunidade brasileira que foge do seu pais essencialmente por razões de insegurança e criminalidade? De acordo com a Pordata no final de 2023 viviam em Portugal cerca de 800 000 mil estrangeiros provindos das diversas partes do mundo. Muitos deles estão a ser explorados, particularmente na área da habitação, chegando a ter que pagar (por exemplo em Vila Nova de Gaia) 700 € por um quarto num andar T3 dividido com outras famílias. Outros estão já a dormir na rua dada a falta de respostas para a sua situação. «E quem é o meu próximo?»; aquele que comunga da minha identidade linguística, cultural e religiosa ou aquele que as circunstancias difíceis da vida colocaram no meu caminhar? Dizem-nos que já no tempo de Jesus era uma questão controversa saber até onde e até quem dever-se-ia estender a obrigação bíblica de amar. Acreditava-se que essa obrigação se estendia aos compatriotas israelitas e aos estrangeiros residentes. Mais tarde com o impacto das invasões das potencias estrangeiras, o mandamento passou a ser entendido como não aplicável aos estrangeiros das forças de ocupação. E à medida que o próprio judaísmo se fragmentava às vezes entendia-se que o mandamento de amar se aplicava apenas à fação particular de cada um. É deste contexto e interpelação que nasce a parábola do bom samaritano cuja particularidade nasce do facto de ser precisamente um estrangeiro vindo da Samaria o único capaz de parar e de ajudar um homem necessitado, vítima de assalto e estendido no chão.
A parábola contada por Jesus rompe assim preconceitos culturais e religiosos e faz do estrangeiro o agente da misericórdia num país que não é o seu. O estrangeiro seja ucraniano, brasileiro, paquistanês ou de outra nacionalidade é o nosso próximo não só porque deve ser alvo da nossa caridade cristã, mas também porque muitas vezes é ele mesmo que nos ajuda. A parábola contada por Jesus abre-nos a esta relação de «dar» mas também de saber «receber» no contexto da nossa comum humanidade. Não apenas «dar» mas também estarmos abertos a «receber» o que o outro, mesmo na sua necessidade e pobreza material, é sempre capaz de oferecer e partilhar. Tudo o que as Igrejas hoje, forem capazes de desenvolver de relação fraterna e colaborante com o estrangeiro que as procura ou espera por elas na rua, constituirá sempre um profundo enriquecimento eclesial de natureza humana, cultural, pastoral e de missão.
Ao contrário do que o doutor da lei esperaria Jesus responde à sua importante pergunta não através da citação das Escrituras antes através da vida. A parábola do Bom Samaritano não é mais do que a própria vida de Jesus e do Seu amor misericordioso para com todos. Ele é o estrangeiro que para e cuida com amor indicando-nos a nós hoje como podemos chegar a Deus cuidando da pessoa do próximo. É esta proximidade que revela e nos aproxima de Deus. Como que hoje Jesus nos indica o «modelo ético da proximidade» como caminho para Deus. Não há verdadeira religião sem proximidade e relação com os outros. É do assumir da vida sofrida que nasce a verdadeira teologia e Deus se nos revela.
Impressiona nesta parábola o pormenor narrativo de Jesus quando nos diz: «o samaritano chegou perto dele, olhou para ele e moveu-se de compaixão. Aproximou-se dele e tratou-lhe as feridas derramando nelas óleo (que acalma a dor) e o vinho (que serve para desinfetar).» O outro o necessitado tem um corpo que tem que ser tocado e tratado. As suas feridas e as suas chagas interpelam-me e são como que um sinal das chagas de Jesus na Cruz. O corpo na sua materialidade sofrida é verdadeiro sacramento de Deus que requer que nos aproximemos, nos abaixemos e o tomemos com as nossas próprias mãos. Só deste modo físico e corpóreo a relação com o próximo fica completa, a verdadeira caridade acontece e a comunhão com Deus desabrocha. O «próximo» requer a nossa «proximidade» de corpo e alma e a comunhão entre os corpos. Não tenhamos medo de tocar e de ser tocados, de curar e de ser curados, de amparar e de ser amparados, de ajudar e de ser ajudados. Naquele tocar e cuidar sacramental o Samaritano não trata apenas do corpo de um pobre homem espancado pelo pecado humano, mas trata também de todos os corpos que são vítimas de violência. O seu corpo sofrido lembra os corpos sofridos do nosso tempo que hoje são cuidados no chão dos hospitais em Gaza porque tudo o resto foi destruído.
O texto bíblico da parábola termina com um mandamento: «Vai e faz da mesma maneira». Melhor do que fazer sozinho é procurar fazer juntos. Num mundo tão necessitado e no contexto desta Semana pela Unidade o que nos é pedido é que façamos juntos o que juntos podemos fazer. E isso é muito e é imenso. Fazer no campo da caridade mas também no campo da justiça dado que não há caridade verdadeira sem justiça. Hoje aqui juntos estamos a amar a Deus e que amanhã também juntos possamos amar o próximo. Ámen.
+ Jorge