Manter a humanidade perante a tentação do mal
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Homilia I Domingo da Quaresma 2022

«Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo».

«Cheio do Espírito Santo, (Jesus) voltou do rio Jordão. O Espírito conduziu-o para o deserto, onde esteve quarenta dias e foi tentado pelo Diabo» (S- Lucas 4,1)

O texto de S. Lucas neste primeiro domingo do caminhar quaresmal está carregado de fortes simbolismos e mensagens para a nossa vida.

O Espírito Santo não só, está com Jesus, como conduz Jesus para o deserto. Deste modo, Jesus não vai sozinho e quem lhe indica o deserto é o Espírito Santo. Cristo assume esta orientação de Deus Pai na ação do Espírito Santo. E fá-lo de livre e assumida vontade na fidelidade à obediência que sempre manifestará ao Pai até à morte e morte de cruz.

No deserto, Jesus está cheio do Espírito Santo como também nós, estamos no nosso caminhar de vida «cheios do Espírito Santo» desde o nosso batismo em Cristo. Estamos «cheios do Espírito Santo», mas muitas vezes esquecemo-nos desta presença amiga na nossa vida. Uma presença pessoal que nunca se impõe antes se nos propõe. Muitas vezes também e deliberadamente prescindimos da sua ação em nós. A diferença entre o atuar de Cristo e o nosso, não se encontra, pois, numa maior ou menor presença do Espírito Santo, mas antes no modo como nos deixamos ou não, conduzir por Deus na nossa vida. A expressão de S. Lucas «o Espírito conduziu-o para o deserto…» pressupõe a aceitação dessa orientação por parte de Jesus. Ou seja, Jesus livremente opta por um caminho que sabe que é exigente, mas que é necessário para o apurar da sua própria missão. Muitas vezes também nós assumimos caminhos difíceis e exigentes e a recompensa é o crescimento espiritual e humano que essas experiências nos possibilitam. Outras vezes, mesmo intuindo que deveríamos caminhar numa determinada direção de vida que Deus nos aponta, escolhemos atalhos que não nos conduzem a lado nenhum.

Tal como nós, também Jesus foi tentado no seu caminhar e por diversas vezes, inclusive na própria hora da morte: «Salvou os outros, que Se salve Ele mesmo, se é o Messias …»(Lucas 23,35) ou como nos diz o texto do Evangelho de hoje «o Diabo afastou-se dele até um tempo determinado». A tentação é algo de natural na vida e com a qual deveremos saber lidar. A vida é cheia de experiências e acontecimentos impensáveis e situações surpreendentes. Ser tentado não é pecado. Pecado é ceder à tentação ! E mais grave ainda é ceder várias vezes à mesma tentação. No deserto e por três vezes Jesus foi tentado e sustentou a sua resposta e resistência à tentação na própria Palavra de Deus, conforme ouvimos Jesus a dizer ao Diabo : «A Sagrada Escritura diz. Não se vive só de Pão». Também «A Escritura diz: adorarás o Senhor teu Deus e só a ele prestarás culto». E na terceira tentação Jesus responde ao Diabo dizendo : «Mas a Escritura também diz: «Não tentarás o Senhor teu Deus». Jesus sustenta-se, pois, na própria Palavra viva de Deus, no dizer de Deus e no próprio Deus para fazer frente à tentação. É esta comunhão íntima e espiritual que fortalece Jesus Cristo e lhe permite não só rejeitar a tentação como também prosseguir no caminho da vida. É esta vivência de comunhão íntima e espiritual com Deus que nesta Quaresma somos chamados a renovar através da leitura orante da Bíblia e através da oração individual e comunitária.

O que está em causa na tentação e no pecado não é tão só a realização de um ato moralmente condenável, mas antes o desvio de um caminhar que nos é proposto por Deus para a nossa própria realização e realização da família humana à qual pertencemos. Continuamos a caminhar sem dúvida, por nós mesmos, mas caminhamos à margem de Deus dado que fomos desviados pelo pecado cometido. Jesus no deserto foi tentado, mas soube ficar onde o Pai lhe pedia e desejava. Depois seguiu o seu caminho até Jerusalém caminho que também lhe era proposto pelo Pai na ação do Espírito Santo. É este caminho de vida que Cristo ressuscitado nos oferece. Se somos tentados como Cristo, também como Ele e unidos a Ele, podemos sair vencedores e ir caminhando passo a passo, dia a dia, na santificação que a todos se nos oferece. Tal requer também de cada um de nós a aceitação e o assumir da nossa fé em Jesus Cristo tal como S. Paulo nos diz hoje : « Se com os teus lábios confessas que Jesus é o Senhor e no teu coração acreditas que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo.»

A vivência no deserto de que nos fala o Evangelho de hoje é também uma imagem da nossa vida com as suas exigências, dificuldades, mas também possibilidades de realização e de amor. Jesus e neste início de quaresma, pede-nos que «lancemos um olhar profundo ao modo como estamos a viver.» No meio das múltiplas e por vezes sedutoras propostas que se nos oferecem, importa sempre discernir as que devemos rejeitar, para que o nosso caminho não se desvie do plano que Deus tem para cada um de nós.

O contexto de guerra a que estamos a assistir na Ucrânia e que a todos também nos afeta, faz desta vivência quaresmal uma vivência mais intensa quando confrontados com a morte, o sofrimento e a destruição provocados pela guerra. Esta guerra é a expressão plena da grandeza que o pecado humano pode atingir. É fruto de uma cultura de morte e de violência que vai germinando e muitas vezes alimentada por atos ou omissões deliberadas.

A força deste mal só pode ser enfrentada coletivamente na ação de homens e mulheres de boa vontade. Nesta Quaresma e em tempos de tanta exigência, Deus pede-nos também a exigência e o assumir de uma consciência individual e coletiva cada vez mais apurada, firme e sustentada na pessoa viva do Príncipe da Paz, Jesus Cristo. A violência e a morte geram também a tentação de mais violência e mais morte. O ódio gera a tentação de responder com mais ódio. A este propósito um padre Ortodoxo refere precisamente hoje, I domingo da quaresma, o seguinte: «De cada vez que somos confrontados com o mal, somos tentados pelo mal. E a principal tarefa de um cristão é fazer com que, em condições desumanas, nos mantenhamos humanos».

Que o nosso caminhar quaresmal nos sustente a todos a esperança reforçando o sentido da vida. Que a quaresma nos abra caminhos novos de vida e de amor e de humanidade.

«Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ámen.»

+ Jorge

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