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Mensagem – Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos 2022
«Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo». Ámen
As Estrelas boas que Deus coloca na nossa vida

Permitam-me que inicie esta mensagem prestando tributo a um homem bom, um fiel seguidor de Cristo e um cristão verdadeiramente ecuménico e aberto ao diálogo inter-religioso. Um cristão também com profundo sentido de humor e de alegria que é sempre um sinal de uma boa espiritualidade. Refiro-me ao Arcebispo Anglicano Desmond Tutu, prémio Nobel da Paz em 1984 e recentemente falecido a 26 de dezembro passado. A sua vida, a sua luta a sua fé em Jesus Cristo é exemplar para nós hoje. É uma estrela boa que Deus coloca no nosso caminhar de vida. A fé do Arcebispo Tutu foi forjada num contexto pessoal e eclesial de grande exigência e provação provocada pelo opressor sistema racista na Africa do Sul conhecido pelo Apartheid. 

Enquanto cristãos, não podemos esquecer que o sistema do Apartheid de segregação racial foi também promovido por Igrejas cristãs que procuraram justificação bíblica e teológica para o racismo. A Igreja Reformada Holandesa (país de onde provinham os primeiros colonizadores da Africa Austral) chegou a afirmar o apartheid como «uma legitima política eclesial» desenvolvendo uma teologia do apartheid sustentada no relato da divisão do género humano em Babel e referindo que a unidade pela qual Jesus orou ao Pai não requer a unidade numa Instituição. Criaram-se então e convenientemente Igrejas separadas; Igrejas para brancos, Igrejas para negros e Igrejas para mestiços.

Deste modo as Igrejas e os cristãos que ao longo de décadas lutaram pelo fim do Apartheid na Africa do Sul, não só tiveram que lutar contra o Estado opressor, como tiveram também a árdua tarefa de desmontar os argumentos bíblicos e teológicos que justificavam a descriminação racial. Quase sempre a luta pela modificação das estruturas políticas e sociais injustas é acompanhada também, pela necessidade de libertar as Igrejas e as religiões, de sistemas, de ideologias e práticas internas, que não só as afastam de Deus como ajudam ainda a sustentar sistemas opressores. Verdadeiramente as Igrejas devem reexaminar-se continuamente para manter a sua pureza de doutrina e prática.

Em 1996 o Arcebispo Tutu liderou a Comissão de Reconciliação e Verdade criada após o fim do apartheid para promover de forma pacifica a reconciliação entre as vítimas e os opressores. O conceito básico que norteava a Comissão era de uma justiça restauradora e não criminal. Uma justiça social baseada na necessidade de ouvir, compensar e dignificar as vítimas, mas também ouvir os acusados facilitando a sua posterior integração na sociedade. A prática e a vivência da Reconciliação têm sido uma das áreas determinantes do movimento ecuménico. Para o ecumenismo e como muito bem sublinhou a II Assembleia Ecuménica Europeia de Graz a «reconciliação é um dom de Deus e uma fonte de vida nova». Partilhamos uma mesma confissão de fé de que «toda a reconciliação neste mundo está fundamentada na reconciliação que Cristo trouxe às relações entre Deus e o mundo». Assim para nós cristãos das diversas Igrejas a reconciliação traduz-se na reconciliação da pessoa com Deus, com os outros, consigo própria e com a Criação. Os desafios que enfrentamos a nível global só poderão ser superados se os cristãos estiverem unidos e promoverem essa unidade e reconciliação nas diferentes áreas da sociedade. Unidade e reconciliação caminham a par e uma não prescinde da outra.

Esse foi o propósito de vida não só do Arcebispo Desmond Tutu mas também daquilo que poderíamos chamar como a «constelação de estrelas ecuménicas» das diferentes tradições cristãs cujo legado e vida continua hoje a inspirar-nos enquanto Igrejas e cristãos. Assim é com homens e mulheres como Desmond Tutu, Martin Luther King, Charles de Foucauld, Dietrich Bonhoeffer , Madre Teresa de Calcutá, Chiara Lubich, o irmão Roger de Taizé, o Papa Francisco entre muitos outros e outras. 

Todos eles e elas são estrelas boas cuja luz continua a brilhar e que nos conduzem não para si mesmas, mas orientam-nos para o encontro e vivência com Jesus Cristo. Neles está Cristo e por eles também nós vamos a Cristo. Para cada época da história e do caminhar da humanidade, Deus, na sua bondade, suscita sempre estrelas boas que iluminam o nosso caminhar. A este propósito os nossos irmãos do Médio Oriente que prepararam para nós esta rica liturgia referem: «A luz da estrela não foi apenas uma iluminação em um momento histórico particular, mas continua a brilhar e a mudar a face da história». Ou seja, a narrativa bíblica dos Magos e da estrela como que se atualiza, ganhando novos interpretes, novas estrelas e propondo novos caminhos. É desta fidelidade, de um Deus que providencia sempre estrelas para nos guiar, que nasce a nossa esperança e confiança num contexto tão sofrido como aquele que estamos a viver atualmente. O exercício espiritual que se nos coloca é o de não desistir de olhar o céu na busca de orientação. Quando muitos caminham já desesperançados, vergados pela cruz da vida e incapazes de olhar para cima, deveremos saber propor a arte e a sensibilidade da contemplação, da espera e de nos deixar surpreender e tocar pelo inusitado de Deus. Assim foi com os Magos que ousaram não só olhar para cima como colocar-se a caminho não se deixando desviar por falsas estrelas e sinais. A adoração que nos é pedida é a adoração somente ao menino, que é Deus encarnado, Jesus Cristo. Temos que estar atentos às falsas estrelas e não nos deixarmos seduzir por elas. Deus não nos pede ouro, incenso ou mirra, mas antes a prenda do nosso compromisso e fidelidade ao seu caminho, verdade e vida.

Dizem-nos os astrónomos que estudam as maravilhas do Universo que quando olhamos para as estrelas no céu estamos a olhar para o seu passado. Ou seja, mesmo depois da sua morte, a luz das estrelas e o seu brilho continuam durante muito tempo a poder ser vistas e a guiar o nosso caminhar.  Assim é também com o legado que muitos homens e mulheres nos deixam pela sua santidade de vida cristã. É um legado e uma luz que perdura após a sua partida para Deus. São caminhos abertos à espera que os possamos percorrer dadas as verdades e princípios intemporais que os marcam e que dizem sempre respeito a cada geração. 
Como nos é referido também pelos nossos irmãos do Médio Oriente, a «comunhão que compartilhamos na nossa oração deve inspirar-nos a voltar para as nossas vidas, as nossas Igrejas e o nosso mundo através de novos caminhos» tal como os Magos fizeram avisados por Deus.

Somos chamados pois agora e uma vez mais a percorrer novos caminhos ecuménicos e de reconciliação na nossa realidade eclesial e social em Portugal. Não para nossa satisfação própria antes para que a Epifania de nosso Senhor Jesus Cristo continue a acontecer para as gentes do nosso tempo e renasça a luz da esperança de que tanto necessitamos.

Termino com as palavras vindas do médio Oriente: 
«Um novo começo é sempre possível quando estamos dispostos e abertos à obra do Espírito. Como Igrejas, olhamos para o passado e encontramos iluminação, e olhamos para o futuro em busca de novos caminhos para que possamos continuar a viver o brilho da luz do Evangelho com fervor renovado e acolher uns aos outros como Cristo nos acolheu para glória de Deus». 

Que Deus assim nos ajude! Ámen.
+ Jorge Pina Cabral

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