32º Domingo Comum - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 7/11/2021

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COMENTÁRIO BÍBLICO 
32º Domingo Comum – Ano B
7nov2021 

1 Reis 17,8-16; Salmo 146; Hebreus 9,24-28

S. Marcos 12,38-44
38 Dizia-lhes em seu ensino: Guardai-vos dos escribas, que gostam de andar com vestes compridas, de ser saudados nas praças 39e de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes; 40os quais devoram as casas das viúvas e fazem por pretexto longas orações; estes hão-de receber muito maior condenação.
41 Sentando-se Jesus em frente do gazofilácio, observava como o povo deitava ali o dinheiro. Ora, muitos ricos deitavam grandes quantias. 42mas, vindo uma pobre viúva, deitou duas pequenas moedas, que valem um quadrante. 43Chamando seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo que esta pobre viúva deitou mais no gazofilácio que todos os ofertantes, 44porque estes deram do que lhes sobrava; ela, porém, da sua pobreza, deu tudo o que possuía, tudo o que tinha para o seu sustento.

1. Na primeira parte do Evangelho de hoje temos um aviso de Jesus ao povo a respeito dos escribas. Após o cativeiro do povo de Israel, os escribas tinham por função ser os intérpretes ou copistas da Lei. Por isso eram chamados doutores da Lei. Usavam de um tão excessivo formalismo nas suas análises que chegavam a transgredir os mandamentos de Moisés. Eram gente de grande influência religiosa e social pelas estreitas relações que mantinham com os poderosos principais sacerdotes e anciãos do Templo (S. Mateus 16, 21; 20, 18;). Por isso, Jesus os criticava duramente chamando-lhes hipócritas (S. Mateus 15, 1-9; S. Marcos 7, 7) e avisava o povo para que se livrasse de seguir o estilo de vida de soberba e orgulho com que eles e os fariseus se apresentavam (S. Mateus 5, 20). Contudo, não parece razoável que se pense que Jesus se lhes referia em termos individuais, pois, entre eles certamente haveria quem vivesse com justiça e humildade. O que Jesus quer relevar na Sua crítica é o grupo, a seita, a tribo, uma instituição em si, um coletivo de homens que eram os intérpretes oficiais da Lei, isto é da vontade de Deus. Revestidos de tal dignidade e autoridade submetiam o povo e tinham de posicionar-se de modo assaz notável vestindo roupas adequadas para ser “saudados nas praças”, e exigindo ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes”. Se estivermos atentos ao que nos rodeia nas diversas áreas da vida, quantos de nós nos podemos aperceber da ‘dignidade’ que entendemos que nos é devida, seja nos empregos, na roda dos nossos amigos, na relação familiar e até no posicionamento na Igreja. Descobrimos, então, como estamos tão perto daquele modo de proceder (dos escribas), perante o qual Jesus nos diz “librai-vos!”.
 
2. Nas histórias da viúva de Sarepta (I Reis 17, 8-16), no limite da sobrevivência, a dar a última porção de farinha e de azeite ao profeta Elias, e da outra viúva pobre do Evangelho a dar tudo o que tinha para o seu sustento” somos alertados para o verdadeiro significado do “dar”. Ou seja, quando o pouco é tudo, faz-se muito. Repare-se, são o pequeno bocado de farinha e azeite, as duas pequenas moedas, os cinco pães e os dois peixes que, por serem o “pouco”, fizeram realmente o “muito”. Na generosidade e na gratuitidade o efeito multiplicador, na pobreza e na pequenez a força transformadora. A grande mensagem do Evangelho.   
Jesus sentou-se junto ao lugar do Tesouro, no recinto do Templo onde havia um gazofilácio (cofre) exterior para receber as ofertas e, no meio da realidade vivida, “observava como o povo deitava ali o dinheiro”. Queria ‘observar por dentro’ a motivação de cada um(a) no ato de ‘dar’. Porventura, o que melhor afere a fé de cada pessoa. Damos porque é costume, por rotina, dando do que nos sobra, ou, por gratidão, estabelecendo uma relação profunda com o que recebemos da misericórdia de Deus? É que a relação entre a fé e a dádiva nem sempre é biunívoca. Ou seja, nem sempre existe reciprocidade entre a nossa fé e a nossa oferta, pelo que, as mais das vezes as nossas ofertas ficam pelos “trocos” do porta-moedas. Já o Rev. Diogo Cassels (o ‘senhor Dioguinho’, como o povo lhe chamava), no princípio do século passado, dizia “bom é quando a fé chega à carteira”, a propósito da sua preocupação em angariar fundos para a sobrevivência das Escolas do Torne e do Prado. Ora, das atitudes quer da viúva de Sarepta quer da que Jesus nos aponta ressaltam dois aspetos: Deus pede-nos o “tudo”, mesmo o que nos faz falta, o nosso coração, nós mesmos; por outro lado, naquelas duas viúvas um coração transformado que leva à confiança radical em Deus. Então, Jesus ao chamar a atenção dos discípulos para a atitude daquela viúva quer dizer-nos que toda a nossa dádiva – também para a Igreja – merece ser ponderada à luz do que irradia de divino na nossa vida. Não se pode deixar de ‘fazer contas’, mas, para lá disso, tem de se permitir que a pulsão da graça recebida extravase um coração verdadeiramente agradecido e confiante.

3. A propósito da 26ª Cimeira do Clima, em Glasgow, onde se tenta concretizar, mais uma vez, a maior mudança social e económica alguma vez vista para salvar o planeta das alterações climáticas, vale a pena lembrar o que já em 2012 referia o relatório “Consumption and the environment” da Agência Europeia do Ambiente: “O consumo de bens e serviços na EU é um fator muito relevante no consumo de recursos associado a impactes ambientais… O consumo depende de uma rede de fatores interrelacionados: demografia, salários, preços, tecnologia, comércio, políticas e infraestruturas a fatores sociais, culturais e psicológicos. Na Europa tem-se desenvolvido uma cultura de crescimento constante de consumo associado a bem-estar e sucesso.” E noutro ponto: “É necessário desenvolver produtos com menos impacte, mas também mudanças no estilo de vida… Isto não será fácil. Os padrões de vida danosos do ambiente estão institucionalizados, económica, política, técnica e socialmente e consequentemente vistos como normais e inevitáveis… É relevante notar que o bem-estar não está relacionado com a riqueza material quando as necessidades básicas estão asseguradas.” (do texto de Rui Loureiro, consultor em desenvolvimento sustentável, sobre “o supérfluo e o ambiente” – 7 Margens, 02nov21).
Ou seja, temos de ganhar consciência de que, tanto quanto as grandes decisões nos areópagos políticos, é necessária uma mudança nos nossos consumos, uma vontade firme de mudança no nosso estilo de vida… que, por alguns sinais de protesto social já visíveis, não estamos preparados para tomar.

+ Fernando 
Bispo Emérito da Igreja Lusitana

 

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