3º Domingo depois da Páscoa - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 25/4/2021

Donwload PDF

COMENTÁRIO BÍBLICO
3º Domingo depois Páscoa – Ano B
“Domingo do Bom Pastor e das Vocações”
25abril2021

Atos 4,8-12; Salmo 118,1-9; I João 3,18-24
S. João 10,11-18
 
11Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas. 12O assalariado, que não é pastor e a quem as ovelhas não pertencem, logo que vê chegar o lobo, abandona-as e foge. O lobo apodera-se delas e põe-nas em fuga. 13O assalariado não se preocupa com as ovelhas, porque o assalariado só se interessa pelo salário e não pelas ovelhas porque não lhe pertencem.
14Eu sou o bom pastor, conheço as minhas ovelhas e elas conhecem-me a mim. 15Conheço-as tão bem como o Pai me conhece a mim e eu o Pai, e é por isso que estou disposto a dar a vida por elas. 16Tenho ainda outras ovelhas que não são deste curral. Preciso de as conduzir também. Elas hão-de ouvir a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor.
17O Pai ama-me, porque estou disposto a sacrificar a minha vida para a receber de novo. 18Ninguém me tira a vida. Eu dou-a de livre vontade. Tenho poder de a dar e de a recuperar. Foi esta a missão que recebi de meu Pai.»

1. Ao afirmar «Eu sou o bom pastor», Jesus reivindica a Sua natureza messiânica. Em Ezequiel, capítulo 34, é Deus que assumirá o pastoreio do Seu povo, tirando o rebanho aos pastores iníquos (reis e chefes religiosos) que conspurcavam a função e maltratavam o povo por força da imposição dos seus interesses pessoais. Assim, o Profeta sugere e anuncia uma era messiânica, “quando o próprio Deus, por meio do Seu Messias, reinará sobre o Seu povo na justiça e na paz” (Bíblia de Jerusalém). Então, no contexto profético de Jeremias, Ezequiel e Zacarias, Jesus assume o título de “pastor” aplicado a Deus, como o Pastor fiel que cuida do povo. E afronta os pastores – autoridades religiosas – que funcionavam realmente como “assalariados”, isto é, os que se movem pelos interesses do dinheiro, do cargo, da ascensão social, do bom nome, da boa imagem perante os outros.
No Evangelho de hoje Jesus repete várias vezes a expressão “dar a vida”. Quão somos “felizes” por termos por Pastor alguém que cuida de nós com o único interesse de que tenhamos vida em abundância! É a imagem do voluntariado de Deus na relação com o ser humano. Por isso, temos por conforto as palavras do salmista: «O Senhor é o meu pastor: nada me falta. (…) Ainda que tenha de passar por vales tenebrosos, não terei receio de nada, porque tu, Senhor, estás comigo. A tua vara e o teu cajado dão-me segurança» (Salmo 23, 1.4). Como tem sido importante este espírito de vida neste tempo de pandemia, com a fragilidade e o medo a porem a nossa vida em causa.

2. «Conheço as minhas ovelhas e elas conhecem-me a mim». Na Bíblia “conhecimento” não decorre de um processo puramente racional, mas duma “experiência”, dum relacionamento que implica presença e proximidade, o qual, por sua vez desabrochará em amor. Como anuncia o Profeta: «é amor que eu quero e não sacrifício, conhecimento de Deus mais do que holocaustos» (Oseias 6,6). Este “conhecimento” que Jesus tem das Suas ovelhas leva a que recebam do Pastor a luz interior que, por sua vez, lhes possibilita “sentir” a Sua presença, o “conhecimento” de Jesus. Ou seja, a condição de ovelha implica intimidade, escuta e aprendizagem permanentes a fim de que se alcance a necessária confiança para um verdadeiro seguimento do Pastor. É que só assim se consegue a autenticidade na palavra e na atitude que permite aos outros ver-nos como verdadeiros “testemunhas” de Jesus Cristo ressurreto.
Porém, tenha-se em atenção que, não obstante Jesus expressar a Sua atenção e cuidado pelas suas ovelhas, chamando cada uma por seu nome, o Evangelho refere sempre o rebanho, o redil e não a ovelha isolada. Esta, quando é apontada tem a ver com uma situação negativa, a da ovelha perdida, por exemplo, que é preciso encontrar. Ou seja, a comunidade é o espaço e o tempo do encontro, do exercício e fortalecimento da nossa fé. Por vezes somos assaltados pelo desânimo, porque somos poucos, um “pequeno rebanho”. Não vacilemos, porque para Jesus a quantidade, a pequenez da comunidade a que pertencemos não tem importância. Para o Pastor vale, isso sim, o empenho das ovelhas na fidelidade ao evangelho e na atenção aos homens e mulheres no meio dos quais têm de ser mensageiros, com palavras e ações, da esperança que trazem consigo. E assim, mesmo pequena, a nossa comunidade eclesial pode ser expressão da força do Espírito Santo.

3. Este ano o Domingo do Bom Pastor coincide com o “25 de Abril”, o dia da liberdade para nós portugueses. Completam-se hoje 47 anos daquela jubilosa manhã em que o povo português acordou para uma nova realidade da sua existência como nação e iniciou a sua peregrinação na senda da democracia. Não tem sido fácil porque o “caminho” tem escolhos que se têm avolumado – o mundo acelerado e a predominância dos mercados globalizados – e o sistema representativo nem sempre tem conseguido “proteger a democracia dos cidadãos, da sua imaturidade, debilidade, incerteza e impaciência”.[i] Na verdade, vivemos tempos difíceis, umas vezes por ausência de ética na governação, outras, por uma cidadania que se afirma e exige a satisfação imediata dos seus desejos sem qualquer relação com a visão de responsabilidade. Ora, em democracia não há somente a luz e a escuridão, há também a penumbra, aquele modo de estar que tem gradações, mais próxima da claridade ou da escuridão. Por isso, importa que não esqueçamos que o exercício da liberdade tem de contender não somente com obstáculos externos, como também internos, sendo destes um dos maiores a falta de acordo no seio da sociedade. A este propósito, é bom lembrar a exortação de Martin Luther King Jr, o pastor batista que foi assassinado pela sua militância em defesa da liberdade entre brancos e negros: “Cada pessoa deve decidir se vai caminhar na luz do altruísmo criativo ou na escuridão do egoísmo destrutivo”.
 
+ Fernando
Bispo Emérito da Igreja Lusitana

[i] Daniel Innerarity, ‘Como defender a (complexa) democracia’, JL de 7 a 20 abril.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica - Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.