4º Domingo Comum - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 30/1/2022

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COMENTÁRIO BÍBLICO 
4º Domingo Comum – Ano C
30jan2022

Jeremias 1,4-10; Salmo 71,1-6; 1 Coríntios 13,1-13
 
S. Lucas 4,21-30
21Jesus começou então a dizer-lhes: «Esta parte da Escritura que acabaram de ouvir cumpriu-se hoje mesmo.» 22Todos testemunhavam dele e estavam admirados com as palavras da graça divina que saíam da sua boca. E perguntavam: «Este não é o filho de José?»
23Jesus disse-lhes mais: «Certamente vão lembrar-me aquele provérbio que diz: “Médico, cura-te a ti mesmo.” Faz aqui na tua terra tudo o que fizeste em Cafarnaum, conforme nos contaram.» 24E acrescentou: «Digo-vos com toda a verdade que nenhum profeta é bem recebido na sua terra. 25Com certeza que havia muitas viúvas em Israel no tempo de Elias, quando deixou de chover durante três anos e seis meses, e houve muita fome em todo o país. 26No entanto, Elias não foi enviado a nenhuma dessas viúvas, mas sim a uma que vivia em Sarepta, nos arredores de Sídon. 27E havia muitas pessoas com lepra em Israel no tempo do profeta Eliseu, mas nenhuma delas foi curada a não ser Naamã que era da Síria.»
28Ficaram todos muito zangados, na sinagoga, ao ouvirem Jesus dizer aquilo. 29Levantaram-se e puseram-no fora da cidade. Levaram-no então ao alto do monte, onde a cidade estava edificada, para o atirarem dali abaixo, 30mas Jesus passou pelo meio deles e foi-se embora.

1. O Evangelho de hoje começa com o versículo com que terminou o do Domingo passado. Continuamos, portanto, na sinagoga de Nazaré. E o que surpreende da sua leitura é a facilidade com que os assistentes passaram da admiração pelas palavras de Jesus à ira com que se levantaram para O matarem. O que é que levou a uma tão rápida e radical mudança na atitude dos presentes na sinagoga? Vejamos.
Jesus, ao referir dois casos de bênção divina para duas pessoas gentias (a viúva de Sarepta e o sírio Naamã), pôs em causa dois pilares da cultura judaica, o nacionalismo e a superioridade da sua religião. Era demais para aqueles que se julgavam possuidores da verdade que Jesus fizesse a apologia duma religião que beneficiava os estrangeiros, os gentios, em detrimento dos filhos do povo de Israel. Também, há quem defenda que outra razão para a ira das pessoas da sinagoga foi o facto de Jesus ter omitido na citação de Isaías 61, 1-2 as últimas palavras da frase: “apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus”. Ora, isto não foi por acaso. Jesus, ao definir o sentido da Sua missão, exclui deliberadamente a possibilidade de apresentar um Deus vingativo. O que na perspetiva religiosa daquele tempo era expectável pelo povo, tendo em conta o texto de alguns dos Salmos. Então, da leitura deste Evangelho facilmente se percebe que, dum lado, a excitação desregrada contra Jesus por parte do povo da sinagoga se explica por Ele ter posto em causa fundamentos religiosos da tradição judaica. Mas, por outro lado, que Jesus lhes (e a nós) estava a dizer que repudiava a “superioridade” de qualquer religião e, muito mais, a ideia de um Deus vingativo.

2. É a Boa Nova, o anúncio do Reino de Deus. Aceitá-lo exige mudança no modo de olhar a vida e a relação com Deus, à luz do exemplo de Jesus. Mas isso é o mais difícil.
Há uma parábola em que Jesus nos diz: “a semente germina e vai crescendo na terra sem que o agricultor saiba como” (S. Marcos 4, 26-34), o que significa que o Reino de Deus tem uma força por si próprio que não depende do nosso esforço. Impõe-se e mistura-se com a vida das pessoas e da sociedade pela força que tem em si mesmo e por sim mesmo. Contudo, para que a semente germine o agricultor deve preocupar-se em limpar a terra e a planta de ervas daninhas ou outros males. Ou seja, o Reino de Deus faz-se presente onde se expulsam as forças do mal, as forças que causam as injustiças, os sofrimentos, as violências que ferem a paz, o bem-estar, a convivência chegando a matar toda a esperança. Di-lo o próprio Jesus: “Se eu expulso demónios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o Reino de Deus sobre vós” (S. Mateus 12, 28). Então, o nosso papel é o de procurar libertar-nos do mal (do Pai-nosso, livra-nos do mal), para que brote na nossa vida a força transformadora do Reino de Deus. Como fazê-lo? Estar atentos às tendências do nosso viver quotidiano e às influências duma maneira de estar que se vai impondo de que o que interessa é a satisfação dos desejos que nos seduzem. Sim, o que nos é fomentado pela comunicação social e nos é apresentado com sedução. O antídoto para tal modo de olhar a vida é o Evangelho que nos humaniza. Só assim podemos evitar a pulsão incriminatória do povo da sinagoga da Nazaré contra Jesus, aceitando-O e à Sua mensagem, e, dessa forma, trazendo às nossas vidas um verdadeiro sentido, a liberdade ao serviço da misericórdia.    

3. Vivemos num tempo de crise e de mudanças profundas. A pandemia, com todo o chorrilho de consequências negativas que toca as diversas vertentes da vida individual e societária, a economia, com as ligações à vida de trabalhadores, às famílias e à coesão social, a saúde, com particulares implicações para com os mais fracos e idosos, a justiça, etc. Até na ambiência religiosa, onde é visível o desconforto gerado pelas notícias de abusos sexuais nas igrejas. E é nesta ambiência de dificuldades existenciais que somos chamados a votar neste Domingo, 30 de Janeiro. Ao fazê-lo não esqueçamos que o Evangelho requer que sejamos arautos do Reino de Deus, o que implica que devamos ter em conta que precisamos de crescer na sensibilidade perante a injustiça e a corrupção, perante as desigualdades e a dolorosa situação dos débeis, dos excluídos e dos migrantes. Outrossim, que repudiemos poderes opressores, ditadores, violações dos direitos humanos e nacionalismos inibidores da aceitação do outro que é diferente. Exerçamos o direito de voto, no cumprimento do dever de cidadania, com consciência e sentido de responsabilidade, procurando que a nossa opção política considere tanto o nosso interesse individual como o da sociedade de que somos parte.

+ Fernando
Bispo Emérito da Igreja Lusitana

 
 
 

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