1º Domingo depois do Natal - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 26/12/2021

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COMENTÁRIO BÍBLICO 
1º Domingo depois do Natal– Ano C
26dez2021

 

1 Samuel 2,18-20.26; Salmo 111; Colossenses 3,12-17 
 

S. Lucas 2,41-52

41Todos os anos os pais de Jesus iam a Jerusalém à festa da Páscoa. 42Quando o menino tinha doze anos, foram lá como de costume. 43Passados os dias da festa, José e Maria voltaram para casa, mas Jesus ficou em Jerusalém sem os pais darem por isso. 44Julgavam que ele vinha com algum grupo pelo caminho. Ao fim de um dia de viagem, começaram a procurá-lo entre os parentes e os amigos, 45mas não o encontraram. Voltaram por isso a Jerusalém à sua procura. 46Ao fim de três dias descobriram-no dentro do templo, sentado entre os doutores. Escutava o que eles diziam e fazia-lhes perguntas. 47Todos os que o ouviam ficavam maravilhados com a sua inteligência e as suas respostas. 48Quando os pais o viram, ficaram muito impressionados e a mãe disse-lhe: «Filho, por que nos fizeste isso? O teu pai e eu temos andado aflitos à tua procura.» 49Jesus respondeu-lhes: «Por que é que me procuravam? Não sabiam que eu tinha de estar na casa de meu Pai?» 50Mas eles não compreenderam o que lhes disse.

51Jesus voltou então com eles para Nazaré, e continuou a ser-lhes obediente. Sua mãe guardava atentamente todas estas coisas no coração.

52Jesus crescia em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens.

 

1. Da leitura atenta dos primeiros dois capítulos do Evangelho de S. Lucas percebe-se que o autor, nos diversos pormenores dos episódios que apresenta, procura comparar a “ordem” antiga, centrada na Lei e nos Profetas, com a novidade que Jesus representa, desde o Seu nascimento. Nas narrativas dos prenúncios dos nascimentos de João Batista (1, 5 -25) e de Jesus (1, 26-38), nas descrições dos seus próprios nascimentos (1, 57-66 e 2, 1-21), até no episódio do menino Jesus no meio dos doutores (2, 41-52), o texto do Evangelho de hoje. É natural aquela comparação, pois, conforme o Prólogo do Evangelho, este foi escrito “de modo ordenado, ilustre Teófilo, para que verifiques a solidez dos ensinamentos que recebeste.” (S. Lucas 1, 3-4)

Ora, conforme a indicação de diversas fontes, o Evangelho foi escrito entre os anos 60 e 70 da nossa era, isto é, mais de trinta anos depois da morte de Jesus, o que nos permite concluir que a narrativa (exclusiva de Lucas) da conversa de Jesus com os “doutores” no Templo, com 12 anos de idade, tem um outro propósito, para além do querer mostrar a enorme capacidade de análise e argumentação de Jesus naquela idade: Todos os que o ouviam ficavam maravilhados com a sua inteligência e as suas respostas”. Tinha de ser em Jerusalém, que para o evangelista Lucas era o centro predestinado da obra da salvação (Bíblia de Jerusalém). Uns falavam certamente das “velhas coisas” de Deus, à luz do conceito vigente na altura, enquanto Jesus apresentava a novidade, o anúncio de um “novo” olhar libertador e misericordioso de Deus para a humanidade.

 

2. O menino Jesus, desde o Seu nascimento, cresceu num ambiente familiar de religiosidade ativa: “Todos os anos os pais de Jesus iam a Jerusalém à festa da Páscoa”. Como muitos de nós. Peço perdão aos que não viveram esta experiência, mas para os que passaram por ela, como é bom lembrar a Escola Dominical, na nossa infância, todos os domingos antes do culto principal, sozinhos ou levados pela mão dos nossos pais! E as festas do Natal, das Mães, das Colheitas e as celebrações da Semana Santa e da Páscoa, todos os anos, numa decorrência natural em direção à Confirmação – o rito da assunção da responsabilidade pessoal perante Deus e a Igreja e a chegada à participação na Eucaristia. Depois, o nosso caminhar para a adultez, o desabrochar perante a vida e o mundo em direção à juventude quando pensávamos que já sabíamos tudo... A família era a “concha” onde tudo se realizava em segurança quase como num determinismo existencial, uma argamassa que nos ligava ao essencial e uns aos outros. Até que um dia – como o menino Jesus aos 12 anos – nos extasiávamos por algo que descobríamos ser mais importante. Então, toda aquela estrutura mental e existencial começava a desvanecer-se a pouco-e-pouco enublando a memória, fazendo esquecer o início, os Josés e Marias que nos procuravam para ir à festa da Páscoa… As explicações para a “desistência” não faltavam, mas eles não compreendiam e assim se ia apagando o fogo da religiosidade. E assim se perdia essa “graça”. Muitos viveram aquele fervor, sentiram a alegria do encontro na Igreja, participaram ativamente nas atividades eclesiais, mas, depois, deixaram-se abalroar por ideias e circunstâncias que os levaram a outros caminhos de vida, porventura tão aceitáveis como os dos outros, mas que lhes secaram a seiva da religiosidade inicial. Entretanto, demos graças a Deus porque outros experimentaram, viveram e continuam na senda de uma religiosidade que acalentam porque lhes vem da presença de Jesus no coração. Como diz o salmista “Honrar o Senhor é o primeiro passo para a sabedoria; aqueles que O honram têm entendimento” (Salmo 11, 10).  

 

3. Hoje é o último domingo de 2021. Um tempo doloroso e de grande apelo à esperança. Na verdade, se Deus quer ser o “Deus connosco” não é para nos livrar do que nos é difícil, mas para ajudar-nos a viver as dificuldades da vida com esperança. E este ano que vai terminar foi de grande tremor e “consumo” de confiança. Foi preciso puxar pelo cabo da fé, aceitar a incerteza, e caminhar por sendas desconhecidas cientes de que o amor de Deus nos acompanha. Agora, depois do Natal, esperamos um novo ano que nos liberte da pandemia, que nos permita recuperar da saudade dos encontros pessoais com abraços apertados, beijos de alegria e sinceridade e sorrisos sonoros e desvelados. Vamos ver o que nos reserva o 2022.     

Para terminar, eis uma citação retirada do texto da Oratória de Natal, de Johann Sebastian Bach , Segunda Parte – Para o Segundo Dia de Natal (exatamente este domingo), apresentada na passada semana na Casa da Música, do Porto. É uma canção de embalar, uma área para contralto que diz:  

Dorme, meu doce menino, goza o teu repouso,

E desperta depois para a salvação de todos nós!

Consola o Teu peito,

Sente a alegria

Com que nos enches o coração!

Não vos parece uma oração para o princípio de ano, ainda sob a influência da ambiência do Natal? 

Um Ano abençoado para todos e todas.

 

+ Fernando

Bispo Emérito da Igreja Lusitana

 
 
 

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