25º Domingo Comum - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 19/9/2021

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COMENTÁRIO BÍBLICO 
25º Domingo Comum – Ano B
19set2021 

Job 28, 20-28; Salmo 27, 1-6; S. Tiago 3, 13-18
 
S. Marcos 9, 30-37
30Tendo partido dali, passaram pela Galileia, e ele não queria que ninguém o soubesse;31pois ensinava a seus discípulos e lhes dizia: O Filho do Homem será entregue às mãos dos homens e tirar-lhe-ão a vida; e, depois de morto, ressurgirá ao terceiro dia. 32Mas eles não compreendiam essas palavras e temiam interrogá-lo.
33 E vieram a Cafarnaum. Estando ele em casa, perguntou-lhes: Sobre que discorríeis pelo caminho? 34Mas eles se calaram, porque, pelo caminho, haviam discutido entre si qual deles era o maior. 35Sentando-se, chamou os doze e disse-lhes: Se alguém quer ser o primeiro, será o último de todos e servo de todos. 36Tomando um menino, pô-lo no meio deles e, abraçando-o, disse-lhes: 37 Aquele que receber um destes meninos em meu nome a mim é que recebe; e aquele que me receber recebe não a mim, mas àquele que me enviou.
 
1. No evangelho de S. Marcos o anúncio de Jesus aos Apóstolos sobre a Sua paixão, morte e ressurreição, repete-se três vezes. A primeira, no Evangelho do domingo passado (S. Marcos 9, 31); a segunda, no de hoje e, a terceira, mais tarde (S. Marcos 10, 32-34). E, de anotar, todas aquelas citações antecedem um relato sobre atitudes reprováveis dos Apóstolos. Respetivamente, a crítica de Pedro a Jesus que levou à sua recriminação: “afasta-te de mim, Satanás”; a discussão entre eles sobre quem era o maior; o pedido de Tiago e João, filhos de Zebedeu. Ora, se tivermos em conta o relato da Ascensão no Livro dos Atos, em particular, a questão levantada pelos Apóstolos sobre a altura em que se restauraria em Israel a realeza, na tradição de David (1, 6-7), apercebemo-nos de que, na altura, existia uma enorme discrepância entre os Apóstolos e o Mestre sobre o papel do Messias na vida dos homens. Para eles, o Messias vinha para dominar, expulsar a potência invasora, e mostrar-se um Juiz severo, glorioso e majestoso. Ora, aquele a quem seguiam – e que acreditavam ser o Messias – estava agora a dizer-lhes que o Messias era um totalmente ‘outro’ que iria ser ridicularizado, rejeitado, torturado, condenado como um bandido e, depois, morto… Até parece que entraram em crise de fé, pois, não compreendiam as palavras de Jesus e temiam interrogá-losobre o assunto (S. Marcos 9,32).
Então, a tripla insistência de Marcos no anúncio de Jesus sobre a Sua paixão significa que aí está a essência do Evangelho. Por outro lado, dessa forma, enfatiza a enorme transformação que se operou nos Apóstolos, ao libertarem-se da fé num Messias majestoso e dominador, para passarem a aceitar com convicção que o sofrimento e a cruz eram parte do plano de Deus para a consagração do Messias. Em consonância com a voz saída da nuvem que tinham ouvido no Monte da Transfiguração: Este é o meu Filho amado; ouvi-o” (S. Marcos 9, 7).     

2. Naquele contexto, os Apóstolos afinavam pelo comportamento “corrente” procurando definir hierarquias entre si (Evangelho de hoje) e assegurar lugares de honra e privilégio junto ao trono do Messias (os irmãos Tiago e João - S. Marcos 10, 35-40). Se o Reino do Messias era como pensavam, então tinham de acautelar o posicionamento de cada um de forma a conseguir os melhores lugares e respetivos benefícios. Jesus não os repreende, apenas, pacientemente, senta-se com eles e procura explicar-lhes o sentido da nova lógica que traz ao amor, á humildade e á bondade: Se alguém quer ser o primeiro, será o último de todos e servo de todos”.A inversão da pirâmide das relações entre as pessoas. E, abraçando uma criança que pôs no meio deles, disse-lhes Aquele que receber um destes meninos em meu nome a mim é que recebe”. Para Jesus o mais débil, o mais pequeno, o mais humilde é que vale no exercício do Seu reinado, como Messias e Filho de Deus. E aprenderam, lenta, mas firmemente.
Entretanto, repare-se num outro aspeto. Na altura em que os evangelhos sinóticos foram, escritos os Doze Apóstolos eram personalidades famosas para as nascentes comunidades cristãs, como testemunhas oficiais da ressurreição de Cristo (I Coríntios 15,5)e representantes das doze tribos do “novo Israel” (S. Mateus 19,28; S. Lucas 22,30). No entanto, os seus autores não se coibiram de referir as ignorâncias, cobardias, medos e contradições dos membros do Colégio Apostólico. Estavam em formação, caindo aqui, levantando-se acolá, numa caminhada de fé que os ia moldando à nova realidade que o compreensivo Jesus lhes ia ensinando. Quando chegaram ao tempo da prova perceberam que o que importa na Igreja de Cristo não é a boa imagem dos seus dirigentes, mas a verdade e a transparência das suas vidas no seguimento de Jesus. Isto é, hoje, ao lermos o que o Evangelho nos apresenta do comportamento dos Apóstolos, tais situações parecem-nos pinceladas de ingenuidade na grande tela das suas vidas pintada de cores vivas no testemunho do Cristo ressurreto.

3. Desde o último quarto do século passado que emergiu em algumas igrejas evangélicas um ensino teológico chamado “evangelho da prosperidade”, em que se advoga que Jesus veio para nos trazer a prosperidade, o bem-estar, a riqueza, e, se tal não se consegue é porque não temos a fé suficiente para o alcançar, dizem. Agora, nas redes sociais, sem conotação religiosa, mas como onda societária, propala-se a ideia de felicidade como “o único sentimento admissível”, o que leva à rejeição e ocultação de emoções menos positivas como a tristeza, a ansiedade, o medo. Por vezes, até, se apresenta a Esperança como “instrumento” que conduz à realidade ilusória, a felicidade. Ora, Jesus veio para que “tenhamos vida”, isto é, a realidade existencial em que a felicidade coabita com contrariedades e sofrimentos decorrentes da nossa natureza humana. Por isso o povo diz: “a vida não é um mar de rosas”. Parece, portanto, que se torna necessário lembrar o ensino de Jesus que tanto “incomodou” os Apóstolos: O Filho do Homem será entregue às mãos dos homens e tirar-lhe-ão a vida; e, depois de morto, ressurgirá ao terceiro dia”. Pois, se Jesus, Filho de Deus, se humilhou até à morte de cruz (Filipenses 2,8)para levar a cabo o propósito do Pai, também nós, que estamos unidos a Ele pela fé, devemos encarar as contrariedades da nossa vida animados com a Sua atitude. Como dizia um anterior Arcebispo de Cantuária “não esqueçamos que na base da nossa fé está uma cruz” (Arcebispo Robert Runcie, na Conferência de Lambeth de 1988).

Como nos confortam as palavras do salmista “O Senhor é a minha luz e a minha salvação; de quem poderei ter medo? O Senhor defende a minha vida; quem me poderá assustar?”(Salmo 27,1). Mas, devemos fazê-las presentes nos momentos da nossa vida em que se nos impõe uma fé com sabedoria (o temor do Senhor, eis a Sabedoria) e inteligência (fugir do mal, eis a Inteligência) para informar os nossos atos de vontade, as nossas decisões humanas (ver Job 28, 28). E, já agora, para quem se “veja” sábio(a) e entendido(a), o Apóstolo Tiago aconselhaque “Mostre pelo seu bom comportamento as suas obras repassadas de docilidade e sabedoria.” (S. Tiago 3, 13).

+ Fernando
Bispo Emérito da Igreja Lusitana

 

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