5º Domingo Comum - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 6/2/2022

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COMENTÁRIO BÍBLICO 
5º Domingo Comum – Ano C
6fev2022

Isaías 6,1-8; Salmo 138; 1 Coríntios 15,1-11
 
S. Lucas 5,1-11
1Um dia estava Jesus à beira do lago de Genesaré e a multidão apertava-o, porque queria ouvir a mensagem de Deus. 2Ele viu dois barcos parados junto à praia. Os pescadores tinham saído e estavam a lavar as redes. 3Jesus entrou numa das embarcações, que era de Simão Pedro, e pediu-lhe que a afastasse um pouco da terra. Sentou-se e do barco ensinava a multidão.
4Quando acabou de falar disse a Simão: «Leva o barco para a parte mais funda do lago, com os teus companheiros, e lança as redes.» 5Simão respondeu-lhe: «Mestre, andámos toda a noite à pesca e não apanhámos nada; mas já que tu o dizes, vou lançar as redes.» 6Deitaram as redes à água e apanharam tanto peixe que elas ficaram quase a rebentar. 7Fizeram então sinais aos companheiros que estavam no outro barco para os irem ajudar. Eles foram e encheram os dois barcos com tanto peixe que quase se afundavam. 8Quando Simão Pedro viu aquilo, ajoelhou-se aos pés de Jesus e disse: «Afasta-te de mim, Senhor, que eu sou um pecador.» 9Tanto Simão como os que estavam com ele ficaram pasmados com a enorme quantidade de peixe que tinham apanhado. 10O mesmo aconteceu com os companheiros de Simão que se chamavam Tiago e João, filhos de Zebedeu. Jesus disse a Simão: «Não tenhas medo! Daqui em diante serás pescador de homens.» 11Eles puxaram então os barcos para terra, deixaram tudo e foram com Jesus.

1. O Evangelho deste Domingo é chamado na Bíblia de Jerusalém “Vocação dos quatro primeiros discípulos”, enquanto em outras versões se lhe chama “A pesca maravilhosa”. Vejamos com cuidado. Temos aqui uma pregação de Jesus. Sentado no barco de Pedro ensinava a multidão”.Naturalmente se ensinava a multidão, também ensinava aqueles que depois se tornaram seus discípulos, Pedro incluído. Não sabemos o conteúdo da preleção de Jesus, mas, podemos muito bem imaginar que as Suas palavras terão sido decisivas na tomada de decisão de Pedro (“já que tu o dizes”) em voltar a lançar as redes para pescar, depois de uma noite de trabalho sem apanharem nada. Isto mostra-nos que o importante na relação com Jesus está no “ouvir” as Suas palavras, “pois, a fé vem da pregação e a pregação pela palavra de Cristo” (Romanos 10, 17). O “ouvir” as Suas palavras leva-nos a assimilar a Sua autoridade, porque nelas está a verdade. É o princípio de um processo de “convivência” com Jesus que nos induz à descoberta da Sua “realidade” na nossa vida, nas nossas decisões, numa palavra, da “presença” de Deus no nosso modo de estar.    

2. O episódio da abundância. A abundância, que satisfaz plenamente as carências dos pobres apresenta-se repetidamente nos evangelhos como manifestação do “divino” no “humano”. Podemos dar-nos conta disso nesta pesca como na outra a que se refere o evangelho de S. João (21, 6-11), nos relatos da multiplicação de pães (S. Mateus 14,20 e 15,37; S. Marcos 6,42 e 8,8; S. Lucas 9,17; S. João 6,12), na boda de Caná, na água convertida em vinho (S. João 2, 6 e seg.), na parábola do grão de mostarda (S. Marcos 4, 30-32; S. Mateus 13, 31-22; S. Lucas 13, 18-19), na parábola do grande banquete do Reino (S. Mateus 22, 1-10; S. Lucas 14, 15-24), e a festa dada em honra do filho pródigo quando regressa a casa do pai (S. Lucas 15, 14-24). Ao contrário deste sistema económico em que vivemos, em que o fosso entre pobres e ricos é cada vez maior, crescendo em bens materiais estes à custa daqueles, a perspetiva de Deus que nos é proposta por Jesus é a abundância para aqueles e aquelas que sofrem de carências várias, de fome e miséria. Porém, não esqueçamos um pormenor da narrativa da pesca milagrosa que hoje nos é apresentada. Deitaram as redes à água e apanharam tanto peixe que elas ficaram quase a rebentar. Fizeram então sinais aos companheiros que estavam no outro barco para os irem ajudar. Eles foram e encheram os dois barcos com tanto peixe que quase se afundavam”. Ou seja, entraram na “onda” de Jesus e, mesmo sem terem certezas, avançaram com o seu esforço, a sua força de pescadores e correram o risco de se afundarem. O milagre aqui aconteceu porque eles obedeceram a Jesus.

3. Quando Simão Pedro viu aquilo, ajoelhou-se aos pés de Jesus e disse: «Afasta-te de mim, Senhor, que eu sou um pecador».  Tanto Simão como os que estavam com ele ficaram pasmados com a enorme quantidade de peixe que tinham apanhado. A atitude de Pedro perante a abundância de peixe foi o reconhecimento da graça divina em Jesus, viram nEle a presença de Deus ali, junto a eles. Este é dos mais difíceis momentos para os humanos: ver Deus nos milagres que nos acontecem. Arranjamos sempre razões para explicá-los. Há tempos apresentaram num programa televisivo uma senhora criadora de moda que explicou a sua capacidade, a sua força interior perante revezes que teve de enfrentar na vida e assim explicava a aura de sucesso das suas criações. Nem por uma vez qualquer referência a Deus. Porventura, nas ocasiões de tristeza e sofrimento vividas na morte da mãe, sua principal colaboradora na sua arte, e num cancro da irmã, que ajudou a ultrapassar, perguntou a Deus se a tinha esquecido. Porém, agora, ao expor o seu sucesso, nem uma palavra para o Altíssimo. Esta questão é de primordial importância para quem quer seguir Jesus. É que só depois de Pedro reconhecer a divindade de Jesus é que ouviu: «Não tenhas medo! Daqui em diante serás pescador de homens». Àquele homem, talhado para ser um pescador, Jesus abre-lhe uma nova perspetiva para a sua vida, aponta-lhe a uma nova direção. A ele e aos demais que estavam com ele. De tal forma que: “Eles puxaram então os barcos para terra, deixaram tudo e foram com Jesus”. Com Jesus aprendemos que o medo pode dar lugar à confiança, que, mesmo a fragilidade e pequenez na nossa vida podem tornar-se num lugar fecundo, assim nos abramos à misericórdia e bondade de Deus.
 
+ Fernando
Bispo Emérito da Igreja Lusitana

 
 
 

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