2º Domingo Comum - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 16/1/2022

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COMENTÁRIO BÍBLICO 
2º Domingo Comum – Ano C
16jan2022

Isaías 62,1-5; Salmo 36,6-11; 1 Coríntios 12,1-11
 
S. João 2,1-11
1No terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galileia. A mãe de Jesus estava lá. 2Jesus e os seus discípulos também foram convidados. 3A certa altura da boda faltou o vinho. Então a mãe de Jesus disse-lhe: «Já não têm vinho!»  4Jesus respondeu: «E que temos tu e eu a ver com isso, mulher? A minha hora ainda não chegou.»
5Ela então disse aos criados de mesa: «Façam tudo o que ele vos disser.» 6Havia ali seis vasilhas de pedra das que os judeus utilizavam para as suas cerimónias de purificação. Cada uma levava uns cem litros de água. 7Jesus mandou aos criados: «Encham de água essas vasilhas.» Eles encheram-nas até acima. 8Depois disse-lhes: «Tirem agora um pouco e levem ao mestre-de-cerimónias para ele provar» Eles assim fizeram. 9O mestre-de-cerimónias provou a água transformada em vinho. Não sabia o que tinha acontecido, pois só os criados é que estavam ao corrente do facto. Mandou então chamar o noivo 10e observou-lhe: «É costume nas bodas servir primeiro o vinho melhor e só depois de os convidados terem bebido bem é que se serve o menos bom. Mas tu guardaste o melhor até agora!»
11Deste modo, em Caná da Galileia, Jesus realizou o primeiro dos seus sinais. Assim manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele.
12Depois disto, Jesus desceu até Cafarnaum, com a sua mãe, os seus irmãos e os discípulos, e ficaram lá alguns dias.

1. Logo no princípio do seu Evangelho S. João apresenta-nos a história das Bodas de Caná que não tem referência em qualquer dos outros três Evangelhos. Será que aconteceu realmente ou com ele pretende-se apenas chamar a atenção dos leitores para algo mais para lá do que a mera narrativa dos seus pormenores?
Na Introdução aquele Evangelho da Bíblia de Jerusalém pode ler-se: “A conceção da história, que o quarto evangelho supõe, difere profundamente da ideia que dela faz o historiador moderno. O que antes de tudo interessa ao evangelista é manifestar um sentido da uma história, que é tão divina quanto humana, que acontece no tempo, mas tem as suas raízes na eternidade. (…) Para isso, o evangelista fez uma seleção, escolhendo especialmente os factos que a seu ver podiam ostentar um valor simbólico, que lhes dava assim uma profundidade e ressonâncias novas. Os milagres narrados são “sinais” que revelam a glória de Cristo e simbolizam os dons que ele traz ao mundo (nova purificação, pão vivo, luz, vida)”. Daqui facilmente se depreende que em João “não se deve contrapor simbolismo e história: esse simbolismo é o dos próprios factos, brota da história, nela está enraizado, expressa seu sentido e só com essa condição tem valor para a testemunha privilegiada do Verbo feito carne.” Parece, portanto, que a leitura do Evangelho de hoje nos pede alguma reflexão para o abordarmos procurando descobrir em cada pormenor o simbolismo que nos ajude, no fim, a perceber o sentido da história toda.

2. Vejamos os pormenores.
Uma boda para a qual Jesus, Sua mãe e Seus discípulos foram convidados. Uma ocasião festiva e alegre a fazer lembrar os profetas que tantas vezes compararam o amor de Deus pelo povo de Israel com o amor dos esposos. Na presença de Jesus naquela boda há quem “veja”, de modo enfático, um sinal de bênção do casamento cristão entre um homem uma mulher. Ora, doutro modo, o que sobressai é a “boda” como símbolo de uma nova ambiência de relação entre Deus e os homens.   
Maria, a quem S. João nunca chama pelo nome, tão só por “a mãe de Jesus”, neste Evangelho, está presente no primeiro milagre de Jesus, que revela a Sua glória, e, também, na cruz, na hora da Sua morte (S. João 19, 25-27).
O vinho acabou. Maria diz-lhe Já não têm vinho!”. Juntando a esta a palavra de Maria aos criados “Façam tudo o que ele vos disser”, há quem interprete tais palavras de Maria como sinal da sua ação mediadora entre Deus e os homens, o que é uma inferência excessiva, até pela indicação de S. Paulo: “há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem”(I Timóteo 2, 5).
As talhas usadas para a purificação ritual são cheias de água fresca e abundante que vai ser transformada em vinho. E este verificou-se ser melhor do que o primeiro já bebido. Jesus usa as talhas das purificações rituais para dar-lhes uma outra função: conter a água que se tornará em vinho. Ou seja, é manifesto o propósito de se afirmar que com Jesus acabaram os ritos de purificação (o modo de definir o que é ‘bom’ e ‘mau’). E o vinho que daí decorre, melhor do que o primeiro que foi servido, permite-nos perceber que em Jesus a religião ganha cor, alegria e felicidade, as características da ambiência da boda.
A satisfação do mestre-de-cerimónias pela melhor qualidade do vinho explicita a felicidade que Deus trouxe ao mundo em Jesus.

3. Em suma, o que este episódio nos relata é o anúncio da glória de Jesus. É que com Jesus foi-se o dualismo da ‘pureza’ e da ‘impureza’, nas relações entre as pessoas e destas com Deus, e relevou-se o sentido da felicidade partilhada que advém do excesso da bondade e da ternura sem limites. Também, com Jesus o vinho não só é bom como é novo. NEle irrompe a novidade, tanto na afirmação do Seu corpo como templo novo e nos Seus milagres como sinais de vida nova, como na exortação à necessidade de nascer de “novo”, dum culto “novo” em espírito e verdade e da prática dum mandamento “novo”.
O Evangelho de hoje interpela-nos perguntando: apercebemo-nos da “novidade” que está em Cristo, a nossa fé nEle sabe a vinho novo e bom? Anotemos que Jesus “Assim manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele”.

+ Fernando
Bispo Emérito da Igreja Lusitana

 
 
 

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