29 Novembro 2020 - 1º Domingo do Advento
Isaías 64: 1-9 - Salmo 80:1-7, 17-19 - I Coríntios 1:3-9 - Marcos 13:24-37

Bispo Francisco de Assis da Silva, bispo diocesano, Diocese Sul Ocidental, Brasil
 
Vigiai! O Senhor da Casa está voltando!
 
O Evangelho deste Domingo nos fala da palavra mais insistente que usamos neste tempo de Advento que se inicia. Vigiar. Nos meandros da língua portuguesa podemos perceber que ela se presta a vários sentidos.  Ele pode significar cuidar, estar pronto, estar atento, ou até mesmo estar insone. Pretendo explorar nesta simplória mensagem o caráter da atenção aos tristes e preocupantes sinais do nosso tempo.
 
Nestes tempos de pandemia, temos assistido eventos que nos preocupam e que tem afetado todas as esferas da nossa vida. Um vírus praticamente invisível colocou o mundo de joelhos, afetando radicalmente modos de vida, a economia e a política. No seu lastro, além de mortes e muita dor, está gerando  mais pobreza, mais desigualdade e muita doença emocional.
 
Diante dela temos visto distintos modos de se relacionar com ela. Gostaria de destacar pelo menos três que me preocupam sobremaneira: 1. Os negacionistas parecem não aceitar o que a ciência tem dito e preferem embarcar em teorias da conspiração que justifiquem ou acalmem os seus medos ou mesmo a aceitação de suas fragilidades. 2. Os negociadores buscam sacrificar o mínimo possível de suas inevitáveis perdas numa barganha que não oferece uma autêntica saída para um novo tempo. 3. Os aproveitadores contumazes, que aproveitam esta crise para ampliar suas vantagens, inclusive contando com a fragilidade de seus contemporâneos. Interessante notar que, mesmo dentro da Igreja, encontramos representantes destes modos de lidar com a esta situação.
 
Não temos dúvida de que o meio ambiente tem sido descuidado intencionalmente por todos estes segmentos de pessoas. Os negacionistas constroem teorias da conspiração para legitimar a continuidade de seus discursos e políticas lesivas ao meio ambiente e costumam acusar quem se coloca contra suas políticas como esquerdistas, comunistas que intentam destruir o Capitalismo. Os negociadores tentam solucionar a crise jogando toda sua energia em reformas políticas e econômicas que reduzam ainda mais direitos e garantias das pessoas mais frágeis, aumentando a pobreza e ampliando ganhos das classes mais privilegiadas. E, cinicamente, jogam para o amanhã incerto, a esperança de correção desses rumos pelo Deus Mercado e sua mão invisível. E os aproveitadores são os que, a exemplo do Brasil, aproveitam a pandemia para aprovar medidas que expandem dolosamente a agressão ao meio ambiente, expandem seus negócios e destroem nossas florestas, nossos biomas e ameaçam a vida de povos originários.
 
É aqui que cabe resgatar a fala do profeta Isaías. O Deus que se revela na passagem de hoje é um Deus zeloso, que opera em favor de seus reais adoradores. Um Deus que não abandona a obra das suas mãos. E quem são estes reais adoradores? São as pessoas que praticam a justiça e que lembram d`Ele nos seus caminhos.(v 5) É praticamente uma repetição do que escreveu seu praticamente contemporâneo Miquéias. Um chamado para um novo tempo, uma ordem de restauração. Restauração de todas as coisas, mais ou menos do jeito como o oleiro quebra o vaso e o faz de novo. (v.8) 
 
É para essa nova ordem que Jesus, em Marcos, chama seus discípulos e discípulas estarem atentos, vigilantes. A glória do Filho do Homem precisa ser desejada e tornada concreta em nossa vida e na vida do mundo. Só que ela não está limitada no Kronos. Ninguém enxerga e nem interpreta no Kronos. Não há tempo de refletir sobre o tempo sob o arquétipo de Kronos. Ele é rápido, fulgaz. A verdadeira vigília se dá no Kairós, o tempo de Deus, sobre o qual ninguém sabe, nem os anjos.O tempo de Deus, é o Kairós que é o tempo da oportunidade (v.32).
 
Uma linda perspectiva do texto em Marcos é a idéia da Casa. O dono da casa entrega a gestão desta casa para seus servos, mas não avisa quando vai voltar. Deixou a sua casa, deixou as responsabilidades de cada um bem definidas e foi viajar. Voltará de surpresa e espera que todos estejam prontos e conscientes para apresentar suas tarefas cumpridas.Somos inexcusáveis porque o dono da Casa deixou nossa responsabilidade bem explicadinha, um tutorial que pode ser entendido em qualquer língua! 
 
A Igreja é chamada a cuidar da casa. Isto a coloca em linha de colisão contra os servos inúteis. Contra quem usa os dons da Criação maravilhosa de Deus em favor de seus mesquinhos interesses. Somos chamados a ter a coragem e a resiliência do profetismo. Somos chamados a lermos as entrelinhas de um processo abusivo, consumista e elitista que apontam para a destruição das pessoas pobres e da beleza de nossa casa comum. Peçamos portanto a Deus, como o salmista: Converte-nos ó Deus das celestes hostes; faz brilhar a tua face e teremos salvação! (Sl 80,3) Ou, em outras palavras: Maranata! Vem Senhor Jesus!
 
+Francisco

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