17º Domingo Comum - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 25/7/2021

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COMENTÁRIO BÍBLICO 
17º Domingo Comum – Ano B
25jul2021 

2 Samuel 12,1-14; Salmo 32; Efésios 3,14-21

S. João 6,1-15 
1Depois disto, Jesus retirou-se para a outra margem do lago da Galileia ou lago de Tiberíades. 2Seguia-o uma grande multidão, porque via os milagres que ele fazia a favor dos doentes.
3Jesus subiu a um monte e sentou-se lá com os discípulos. 4Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus. 5Vendo que uma grande multidão vinha ter com ele, Jesus voltou-se e perguntou a Filipe: «Onde é que havemos de comprar pão para dar de comer a tanta gente?» 6(Dizia isto para o experimentar, pois ele bem sabia o que havia de fazer). 7Filipe respondeu-lhe: «Nem com duzentas moedas de prata se comprava pão que chegasse para dar um bocado a cada um!» 8Então André, outro dos seus discípulos e irmão de Simão Pedro, observou: 9«Está aqui um rapaz com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas que é isto para tanta gente?» 10Jesus ordenou então aos discípulos: «Mandem sentar toda a gente.» Havia muita erva naquele lugar e sentaram-se nela. Só homens eram uns cinco mil. 11Jesus pegou nos pães, deu graças a Deus e distribuiu-os à multidão. Fez o mesmo com os peixes e comeram quanto quiseram. 12Quando ficaram satisfeitos, Jesus disse aos discípulos: «Recolham os pedaços que sobraram, para que nada se perca.» 13Recolheram-nos e encheram doze cestos com o que sobrou dos cinco pães de cevada. 
14O povo, ao ver o sinal que Jesus tinha feito, exclamou: «Este é, na verdade, o profeta que havia de vir ao mundo!» 15Jesus percebeu que queriam levá-lo à força, para o proclamarem rei, e retirou-se de novo, sozinho, para o monte.

1. Sempre a mesma solicitude com as pessoas. Jesus, vendo a «grande multidão», pergunta aos discípulos «onde é que havemos de comprar pão para dar de comer a tanta gente?». Nos evangelhos sinóticos o diálogo é distinto, pois, a pergunta nasce na preocupação dos discípulos e tem por resposta de Jesus uma frase lapidar: «Dai-lhes vós de comer!» (S. Mateus 14, 13–21; S. Marcos 6, 30–44; S. Lucas 9, 10–17).  É uma palavra desafiadora para os discípulos e também para nós.
Dar de comer a uma multidão onde só os homens eram 5.000, fora as mulheres e as crianças, não era uma mera questão económica, era da ordem da transcendência. Jesus sabe disso - «ele bem sabia o que havia de fazer» - por isso aceita os cinco pães e dois peixes, o que parecia algo de ridículo para alimentar toda aquela gente, expõe-nos à bênção divina e ganham tal força e tamanho que matam a fome aos que ali estavam e chega para outros em doze cestos de restos. Desta forma, Jesus revoluciona os nossos conceitos de respeito pelo insignificante e pelas sobras (o desperdício). E valoriza o pouco, como no que pedimos «o pão nosso de cada dia», e a generosidade, a dádiva que provém do coração. Então, neste contexto, podemos dizer que os cinco pães e os dois peixes não são senão um símbolo, a expressão do pouco e pequeno que temos, mas que podemos partilhar para que todos se alimentem á mesa da fraternidade divina – o milagre da multiplicação.
 
2. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) afirma: “hoje o mundo produz comida suficiente para alimentar adequadamente todos os seus habitantes, no entanto, apesar dos progressos realizados nas últimas duas décadas, 870 milhões de pessoas ainda sofrem de fome crónica”. Ou seja, a resolução do problema da fome exige mais educação dos povos, maior e mais sustentado desenvolvimento das economias e também uma maior e mais fecunda partilha entre ricos e pobres. Se a primeira e segunda ações pertencem à responsabilidade dos estados, porque implicam escolhas e decisões políticas, já a terceira é da ordem das opções individuais, atitudes mentais e comportamentais que nos pertencem a que chamamos solidariedade.
Há pouco mais de um ano a solidariedade dos portugueses estava em alta com manifestações poderosas de bondade e compreensão com o próximo. Percebia-se, pois, a pandemia, ainda não suficientemente conhecida, ‘agregava-nos’ numa mesma comunidade dominada pelo medo generalizado, embalada na esperança de que tudo, em pouco tempo, ia ficar bem. Era o tempo da “solidariedade social” em que todos nos sentimos próximos uns dos outros e, dessa forma, interdependentes. No passar do tempo, com a pandemia em decrescendo e, mais ainda, com as vacinas a provocar desafogo mental e maior confiança, o fervor da solidariedade foi-se esvaindo. Emergiram de novo as desigualdades que desagregam e, em consequência, o cansaço da solidariedade.
Ora, o Evangelho de hoje interpela-nos a que compreendamos que as nossas atitudes e decisões são também parte da ação divina. É que a solidariedade quando provém do coração mantém-se e multiplica-se nos seus efeitos. Ou seja, nós somos parte da “solução” divina para a fome e sem a nossa quota-parte de responsabilidade assumida o “milagre” não acontece. 
 
3. Jesus sabia que a multidão O seguia «porque via os milagres que ele fazia a favor dos doentes» e também porque os alimentava (S. João 6, 26). Até, quando percebeu que O queriam proclamar rei, «retirou-se de novo, sozinho, para o monte». Por outro lado, também as autoridades religiosas daquele tempo se apercebiam da popularidade de Jesus, pois, querendo eliminá-lO não se atreviam a tal porque «todo o povo, ao ouvi-lO, ficava dominado por Ele» (S. Lucas 19, 48). Isto é, tanto Jesus como os seus inimigos figadais tinham consciência do Seu “poder” entre o povo. Poderia, portanto, aproveitar-se desse “poder” para exercer uma autoridade dominadora (autoritarismo) para impor a Sua mensagem sobre o Reino de Deus, como o faz todo o político populista. Porém, nunca se serviu dessa popularidade para se impor nem para se ‘servir’ daqueles que O procuravam. Pelo contrário, sempre se predispôs a ouvi-los e a ajudá-los, em particular, na cura dos seus achaques. É que o modo de estar de Jesus era a humildade – não a submissão ou o aviltamento de caráter – e a integridade. Por isso, ao serviço do Reino de Deus nunca se deixou tentar pelo populismo.

+ Fernando
Bispo Emérito da Igreja Lusitana

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