6º Domingo depois da Páscoa - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 16/5/2021

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COMENTÁRIO BÍBLICO
6º Domingo depois Páscoa – Ano B
Domingo da Comunhão Anglicana
16maio2021

Atos 1, 15-17.21-26; Salmo 1; 1 João 5,9-13;

S. João 17,11b-19
Pai santo, protege-os pelo poder do teu nome, para que eles sejam um, como tu e eu somos um. 12Enquanto estive com eles no mundo, protegi-os em teu nome, nome que tu me deste. Guardei-os e nenhum deles se perdeu, a não ser aquele que se havia de perder, para que se cumprisse o que diz a Sagrada Escritura. 13Agora vou para ti e falo enquanto estou ainda neste mundo, para que a minha alegria os encha profundamente. 14Entreguei-lhes a tua palavra e o mundo tem-lhes ódio, porque eles não são do mundo, como eu também não sou. 15Não te peço que os tires do mundo, mas que os defendas das forças do mal. 16Eles não pertencem ao mundo, como eu também não pertenço. 17Faz com que te sirvam pela verdade. Santifica-os pela verdade; a tua palavra é a verdade. 18Eu envio-os para o mundo, como tu me enviaste também. 19Eu ofereço a minha vida por eles, para que também eles sejam santificados pela verdade.
 
1. O Evangelho de hoje apresenta-nos uma parte da grande oração de Jesus. Numa hora bem dramática da Sua vida Jesus intercede pelos seus discípulos. Pede ao Pai que lhes conceda «que eles sejam um, como tu e eu somos um». Ou seja, pede a unidade, mas não uma unidade qualquer. Jesus expressa aqui que a unidade visível entre nós, os crentes, tem de ser a imagem da unidade invisível que se vive no seio de Deus. O que quer dizer que, por um lado, é uma unidade que só pode vir de Deus. E, por outro, é uma unidade que supera toda a sorte de desuniões que possam existir entra as pessoas nesta vida. É realmente uma exigência comportamental de tal magnitude que só o amor misericordioso do Senhor pode providenciar.
A segunda intercessão pelos discípulos é o pedido de alegria: «que a minha alegria os encha profundamente». A grande preocupação de Jesus é que os discípulos se sintam felizes, que vivam num estado de confiança plena que lhes permita superar os medos, as culpas, as ansiedades do modo de viver humano. Que vivam numa tal exaltação, numa alegria tão profunda que é difícil explicar.
Finalmente, Jesus intercede pelos discípulos pela terceira vez, pedindo para que vivam na verdade: «Faz com que te sirvam pela verdade». Mas, e o que é a “verdade”? Nem Jesus respondeu quando Pilatos lho perguntou. Aqui a “verdade” não deve ser entendida como sendo a dos filósofos, nem como algo que tenha a ver com teorias ou conhecimentos científicos. No evangelho de S. João o vocábulo “verdade” quer dizer outra coisa. Voltemos ao diálogo com Pilatos, quando Jesus disse: «Quem é da verdade ouve a minha voz» (S. João 18, 37). Então, viver na “verdade” é viver na fidelidade à Palavra que é Jesus (Eu sou o caminho, a verdade e a vida – S. João 14, 6). Perante tudo isto, percebemos que Jesus ao interceder pelos discípulos intercede continuamente por nós, os que nos devotamos a segui-Lo, a fim de que Deus nos conceda a unidade, a alegria e a verdade que nos ajudem a superar as dificuldades do caminho e também as nossas ‘impossibilidades’.
 
2. Atentemos agora na leitura de Atos 1, 15-17.21-26. A Igreja, pela boca de Pedro, considerou necessário que alguém preenchesse o lugar (encargo) de Judas no Colégio Apostólico. Para isso definiram um critério para os candidatos: devia ser algum dos discípulos que tinham acompanhado os Apóstolos «durante todo o tempo em que o Senhor Jesus entrou e saiu do nosso meio, começando desde o batismo de João até ao dia em que foi levantado ao alto junto de nós» e «se torne connosco testemunha da ressurreição» (tradução de Frederico Lourenço). Naquele critério o que ressalta é que só podia ser candidato quem tivesse bebido da presença inefável e enriquecedora do Senhor, que tivesse visto os Seus sinais miraculosos entre os pobres, os doentes e os desprezados, e ouvido as Suas parábolas e respetivas explicações, quem tivesse presenciado os diálogos acalorados entre Jesus e os fariseus e participado das refeições de pendor formativo para esclarecimento das suas mentes e corações sobre a Sua missão. Além disso, e como fator primordial, tinha de ser testemunha da ressurreição. Para trabalhar na vinha do Senhor como testemunha da ressurreição, de acordo com aquele critério, era preciso uma relação muito aprofundada com a pessoa de Jesus e uma verdadeira integração no espírito de comunidade. Isto, o essencial. Só depois as apetências pessoais e as capacidades para fazer coisas.                

3. «Eu vos escrevo tudo isto a vós que credes no nome do Filho de Deus, para saberdes que tendes a vida eterna» (I João 5, 13). Desde os primeiros séculos do Cristianismo que se acredita que toda a esperança na outra vida assenta na visão beatífica e misericordiosa de Deus. Ora, se Deus é infinito, não está limitado nem pelo espaço nem pelo tempo – como orava Salomão «os céus e até o céu dos céus não te podem conter» (I Reis 8, 27)– o que significa que no céu da nossa imaginação não cabem nem ‘espaço’ acima da terra nem ‘tempo’ para lá do nosso. Então, a vida eterna é um viver numa dimensão que não é espácio-temporal, mas divina (Hans Küng, 1992), que não conseguimos compreender. O que para nós importa nesta nossa impossibilidade de entendimento é que quando nos separarmos desta vida terrena podemos partir com segura confiança que o Deus bondoso e acolhedor nos espera.
Todavia, há outra perspetiva a ponderar no conceito da vida eterna. Naquela perícope (I João 5, 9-13)lê-se: «Deus deu-nos a vida eterna e esta vida está em seu Filho». Ora aquelas palavras foram escritas a pessoas que estavam vivas e eram crentes em Jesus. É-lhes dito que têm a vida eterna em Jesus («quem tem o Filho tem a vida»)e não que a vão ter depois de morrer. Ainda, o Apóstolo Paulo escreve a Timóteo instando «Combate o bom combate da fé. Toma posse da vida eterna» (I Timóteo 6, 12). Ou seja, a vida eterna é um estado d’alma, um modo de ser que se inicia na nossa vida terrena e a marca com o selo do eterno vivente. Podemos, então, usufruir dela para enfrentarmos as sombras e os percalços, o sofrimento e a dor, numa esperança confiante de que Deus nos acompanha agora e nos acompanhará para sempre.

+ Fernando
Bispo Emérito da Igreja Lusitana

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