3º Domingo depois da Páscoa - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 8/5/2022

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COMENTÁRIO BÍBLICO 
3º Domingo depois da Páscoa – Ano C
08mai2022

Atos 13,15-16a.26-33; Salmo 23; Apocalipse 7,9-17

S. João 10,22-30
22Era inverno, e em Jerusalém celebrava-se a festa da Consagração do Templo. 23Jesus passeava no templo, na parte conhecida pelo Pórtico de Salomão. 24Os judeus rodearam-no e perguntaram-lhe: «Até quando nos trazes na dúvida? Diz-nos claramente se és ou não o Messias.» 25«Já o disse, mas não querem acreditar», respondeu-lhes. «As coisas que eu faço por ordem de meu Pai falam por mim, 26mas vocês não acreditam porque não são das minhas ovelhas. 27As minhas ovelhas obedecem à minha voz, eu conheço-as e elas seguem-me. 28Dou-lhes a vida eterna e elas nunca mais hão-de morrer, nem ninguém as poderá arrancar da minha mão. 29Aquilo que o meu Pai me deu é o mais importante. Por isso ninguém as pode arrancar das mãos de meu Pai. 30Eu e o Pai somos um só.»

1. Além da “dúvida” do Apóstolo Tomé, o Evangelho relata também a “dúvida” dos Judeus – “Até quando nos trazes na dúvida? Diz-nos claramente se és ou não o Messias”. A dúvida é uma condição da existência humana que pode ajudar-nos na procura da verdade. Contudo, sabemos por experiência própria que na dúvida não nos sentimos muito confortáveis e, por isso, procuramos com ansiedade chegar à certeza. Ora, a certeza nem sempre é a “verdade”.
Os judeus interpelaram Jesus sobre se era ou não o Messias. Mas, será que eles queriam mesmo saber a verdade, ou, pelo contrário procuravam a razão para continuar a sua “certeza”? Jesus respondeu-lhes mostrando exatamente isso: «já o disse, mas não quereis acreditar…». Efetivamente o que estava em causa é que eles não aceitavam que Jesus fosse o Messias, apenas queriam ouvir a confissão da Sua boca para depois O acusarem, como aliás o fizeram no tribunal judaico, o Sinédrio (S. Lucas 22, 66-71). Na sua certeza expunham a sua segurança e, sem cuidar de prová-la, deixavam de parte a procura da verdade. Até Pilatos que procurava provas da acusação os rebateu: “Eu não acho nele crime algum” (S. João 18, 38). Connosco passa-se o mesmo.
Num estudo sociológico internacional apresentado em 2021 concluía-se que nas sociedades atuais o que faz correr as pessoas é a procura de certezas, muito mais do que de verdades. Aquelas fazem-nas sentir seguras, confiantes, confortáveis, geralmente num contexto coletivo, alargado, na “massa”, enquanto que a busca da verdade as interpela, obriga-as a pensar e a confrontar-se com a dúvida individualmente. Jesus chama-nos a procurar a “verdade”, mas na condição de sermos Suas ovelhas.

2. Quando dizemos “Jesus é o meu pastor” estamos implicitamente a dizer que somos suas ovelhas. E tal pede que saibamos o que significa ‘ser ovelha’. Numa simples frase Jesus expõe o projeto: As minhas ovelhas ouvem a minha voz, eu conheço-as e elas seguem-me”. Então, para ser “ovelha” são precisos 3 verbos: ouvir, ser conhecido(a), seguir.
Neste modelo de relação com Jesus que o Evangelho nos apresenta o primeiro passo é ouvir, escutar o outro. Sim, no “rebanho” de Jesus a “ovelha” ouve/escuta a Sua voz como a voz do pastor e interessa-se pelo que Ele diz. O que se torna num cada vez mais difícil desafio, quando na nossa vida quotidiana o que prevalece é ver, a excessiva dependência da visão, da imagem. Porém, é na escuta, por vontade e atenção, que descobrimos o outro, que nos surpreendemos, maravilhamos e também ouvimos o que não gostamos, que exercitamos o diálogo – dar e receber – e nos abrimos ao novo e ao desconhecido. Assim como um ‘espaço’ de acolhimento para as palavras do outro. E este processo faz-nos crescer porque permite compreender, aceitar e refletir na vida vivida onde Jesus nos expressa todo o seu amor com palavras que iluminam e nos formam para o compromisso. Na continuidade deste vem o segundo passo. Passar a ser conhecidos por Jesus, num caminho de mútua compreensão e aceitação decorrente do nosso escutar das Suas palavras. Pelo Seu conhecimento do que somos propõe-nos o perdão e a reconciliação, aponta-nos à alegria do serviço e da partilha e revela-nos Deus como Pai, fazendo de todos irmãos. Depois, e por fim, seguir a Jesus, na confiança, identificando a nossa vida com a do Pastor, numa adesão que funde a nossa vida com a d’Ele.
Mas, tenhamos bem presente que a ‘dúvida’ é parte deste projeto onde é necessária uma dinâmica de vida com boas doses de resiliência e de fé a caminho. “A principal linha de separação já não é entre os que se consideram crentes e os que se consideram não-crentes. Há quem esteja ‘à procura’, sendo crente (aqueles para quem a fé não é uma ‘bagagem hereditária’, mas um ‘caminho’), e há quem seja não-crente, que rejeita os conceitos religiosos que lhe são propostos pelos que o rodeiam, mas, ao mesmo tempo, sente o desejo de algo que satisfaça a sua sede de significado” (Tomás Halík).

3. Festa das Mães, tempo de poesia, tempo de memória, tempo de homenagem no contexto da fé. As rosas, vermelhas e brancas, símbolo de gratidão, simples e descartáveis na sua natureza, ajudam-nos a evitar a idealização, a dispensar o modelo, pelo contrário, a ver nelas as pessoas humanas que são e foram, tal qual como Deus as criou para recriar em nós a humanidade divina. Ah! Na Festa das Mães vale o “meu” poema, sem rima, desajeitado, que o coração liberta, a “minha” memória, aqui ou longe, presente ou já baça do tempo gasta.
Poema e memória de cada um(a) dos filhos e filhas, no silêncio de cada um(a), no sorriso ou choro de quem se quer, no estar sem jeito. E no fim do dia, um sentimento presente: “que saudades da tua mão!”. Obrigado, Senhor.

+ Fernando
Bispo Emérito da Igreja Lusitana

 

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